Reportagens do baú*: Perigo no túnel
[publicada originalmente a 4 de Abril de 2002 no PortugalDiário]
REPORTAGEM: O túnel do Rossio não tinha fechado nem era preocupação imediata da Refer, que prometia obras para esse ano, que foram adiadas com os resultados que se conhecem. O perigo podia espreitar para os milhares de passageiros que diariamente utilizavam a linha de Sintra, alertavam bombeiros
São 2,6 quilómetros sem segurança aparente: a olho nu não se vê qualquer extintor, nem bocas de incêndio. Pequenos nichos quebram a monotonia das paredes escuras, fracamente iluminadas por lâmpadas fluorescentes. É um longo túnel que atravessa as entranhas de Lisboa, da estação do Rossio à estação de Campolide. O perigo pode espreitar para os milhares de passageiros que diariamente utilizam a linha de Sintra.
Os bombeiros desconfiam das condições de segurança, em caso de incêndio ou de acidente. A Refer - Rede Nacional Ferroviária, entidade que gere as infra-estruturas ferroviárias do país, garante que há um plano de de segurança, que congrega aquela empresa pública, os bombeiros e a Protecção Civil. Mas, como disse fonte do gabinete de comunicação, o túnel vai sofrer uma intervenção «eventualmente no decorrer deste ano, também para reforçar a sua segurança».
A Refer prevê uma intervenção no túnel do Rossio para «a consolidação, a estabilização e o reforço da estrutura e geometria da galeria; a regularização do sistema de drenagem; a substituição dos vários tipos de via existente por via embebida em laje; a substituição do sistema de suspensão da catenária; e a segurança integrada».
As falhas apontadas são várias. No caso do túnel do Rossio não se vêem quaisquer bocas de incêndio, nas duas extremidades, quer do lado de Campolide, quer na estação do Rossio. Os extintores «existem nas próprias composições», responde a Refer.
Como explicou ao PortugalDiário Fernando Curto, presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP) faltam ainda colunas secas e sinalização dos caminhos de evacuação. No entanto, a Refer dispõe de um comboio-socorro, estacionado em Campolide (para além de outros espalhados pelo país), para circular nos carris para que os bombeiros possam intervir em caso de emergência. Uma situação desconhecida pela ANBP: num primeiro contacto, Fernando Curto disse não ter conhecimento de «um pronto-socorro que circulasse em carril».
O Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa também tem reparos a fazer. Mas Cardoso Alves, comandante da corporação, contactado pelo PortugalDiário, rejeitou dizer quais: «É uma coisa interna», de que já deram conta à Refer e à CP.
A Refer esclareceu que o plano de emergência é «um documento reservado» às entidades competentes. Mas sublinha «todas as hipóteses de ocorrências estão contempladas nesses planos».
Como no caso das estações do Metropolitano de Lisboa, denunciado há semanas pela Deco - Associação de Defesa do Consumidor, Fernando Curto fala também no desconhecimento dos espaços físicos em que poderá ser necessário actuar. Por isso, este bombeiro defende a realização de «simulacros», regulares e com pessoas. «As administrações [das empresas] “fogem” dos simulacros com pessoas, e preferem fazê-los às três da manhã, sem ninguém. Mas para nós é importante testar as reacções das pessoas, para percebermos como actuar nesses casos».
A preocupação da associação com a segurança dos túneis não é de agora. Há vários anos, críticas duras à insegurança de muitos túneis viários da Madeira motivaram a ira do líder do governo regional, Alberto João Jardim. O presidente da ANBP reconhece que, da parte dos bombeiros, «há algum fundamentalismo». Mas «quando se trata de salvar pessoas temos de ser fundamentalistas». E os “fundamentalismos” dos bombeiros profissionais estendem-se a muitas outras áreas.
«Bombeiros só são chamados quando há fogo»
«Os bombeiros só são chamados quando há fogo.» O lamento é de Fernando Curto, presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP). Confrontado pelo PortugalDiário com muitas situações de eventual perigo, o dirigente associativo pede compreensão para os alertas de quem está no terreno: «Os bombeiros anunciam estas coisas pela positiva, numa perspectiva de melhorar» as falhas detectadas.
E o mapa dos perigos são muitos. A 12 de Março [de 2002], a Deco - Associação de Defesa do Consumidor pediu o fecho de três estações da rede do metropolitano em Lisboa: Baixa-Chiado, Marquês de Pombal e Alameda chumbaram na apreciação da associação. «Os passageiros do metro correm sérios riscos de vida» naquelas estações, disseram os responsáveis da Deco.
Na altura, Fernando Curto – em declarações ao Público – considerou que «o encerramento de três estações é uma posição demasiado radical, pois, nesse caso, ter-se-ia que fechar também muitos parques de estacionamento, centros comerciais e até hotéis». Ao PortugalDiário lembrou que a Deco nem referiu uma estação «tão ou mais perigosa que aquelas três – a do Parque», pela sua profundidade e por ter uma única saída para o exterior.
Outros exemplos foram ainda apontados por Fernando Curto: os lares de idosos (com vários acidentes mortais nos últimos anos), mas também as escolas. «Agora, se alguém assalta uma escola colocam-se grades, esquecendo-se de que essas grades podem ser um obstáculo no caso de incêndio.»
O que pedem então os bombeiros? A possibilidade de acompanhar e fiscalizar todos estes casos. «Não querendo ser polícias», o presidente da ANBP invoca os exemplos de outros países, em que os bombeiros podem mandar fechar locais públicos, como empresas, discotecas ou centros comerciais, por falta de segurança.
[* - nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]
REPORTAGEM: O túnel do Rossio não tinha fechado nem era preocupação imediata da Refer, que prometia obras para esse ano, que foram adiadas com os resultados que se conhecem. O perigo podia espreitar para os milhares de passageiros que diariamente utilizavam a linha de Sintra, alertavam bombeiros
São 2,6 quilómetros sem segurança aparente: a olho nu não se vê qualquer extintor, nem bocas de incêndio. Pequenos nichos quebram a monotonia das paredes escuras, fracamente iluminadas por lâmpadas fluorescentes. É um longo túnel que atravessa as entranhas de Lisboa, da estação do Rossio à estação de Campolide. O perigo pode espreitar para os milhares de passageiros que diariamente utilizam a linha de Sintra.
Os bombeiros desconfiam das condições de segurança, em caso de incêndio ou de acidente. A Refer - Rede Nacional Ferroviária, entidade que gere as infra-estruturas ferroviárias do país, garante que há um plano de de segurança, que congrega aquela empresa pública, os bombeiros e a Protecção Civil. Mas, como disse fonte do gabinete de comunicação, o túnel vai sofrer uma intervenção «eventualmente no decorrer deste ano, também para reforçar a sua segurança».
A Refer prevê uma intervenção no túnel do Rossio para «a consolidação, a estabilização e o reforço da estrutura e geometria da galeria; a regularização do sistema de drenagem; a substituição dos vários tipos de via existente por via embebida em laje; a substituição do sistema de suspensão da catenária; e a segurança integrada».
As falhas apontadas são várias. No caso do túnel do Rossio não se vêem quaisquer bocas de incêndio, nas duas extremidades, quer do lado de Campolide, quer na estação do Rossio. Os extintores «existem nas próprias composições», responde a Refer.
Como explicou ao PortugalDiário Fernando Curto, presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP) faltam ainda colunas secas e sinalização dos caminhos de evacuação. No entanto, a Refer dispõe de um comboio-socorro, estacionado em Campolide (para além de outros espalhados pelo país), para circular nos carris para que os bombeiros possam intervir em caso de emergência. Uma situação desconhecida pela ANBP: num primeiro contacto, Fernando Curto disse não ter conhecimento de «um pronto-socorro que circulasse em carril».
O Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa também tem reparos a fazer. Mas Cardoso Alves, comandante da corporação, contactado pelo PortugalDiário, rejeitou dizer quais: «É uma coisa interna», de que já deram conta à Refer e à CP.
A Refer esclareceu que o plano de emergência é «um documento reservado» às entidades competentes. Mas sublinha «todas as hipóteses de ocorrências estão contempladas nesses planos».
Como no caso das estações do Metropolitano de Lisboa, denunciado há semanas pela Deco - Associação de Defesa do Consumidor, Fernando Curto fala também no desconhecimento dos espaços físicos em que poderá ser necessário actuar. Por isso, este bombeiro defende a realização de «simulacros», regulares e com pessoas. «As administrações [das empresas] “fogem” dos simulacros com pessoas, e preferem fazê-los às três da manhã, sem ninguém. Mas para nós é importante testar as reacções das pessoas, para percebermos como actuar nesses casos».
A preocupação da associação com a segurança dos túneis não é de agora. Há vários anos, críticas duras à insegurança de muitos túneis viários da Madeira motivaram a ira do líder do governo regional, Alberto João Jardim. O presidente da ANBP reconhece que, da parte dos bombeiros, «há algum fundamentalismo». Mas «quando se trata de salvar pessoas temos de ser fundamentalistas». E os “fundamentalismos” dos bombeiros profissionais estendem-se a muitas outras áreas.
«Bombeiros só são chamados quando há fogo»
«Os bombeiros só são chamados quando há fogo.» O lamento é de Fernando Curto, presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP). Confrontado pelo PortugalDiário com muitas situações de eventual perigo, o dirigente associativo pede compreensão para os alertas de quem está no terreno: «Os bombeiros anunciam estas coisas pela positiva, numa perspectiva de melhorar» as falhas detectadas.
E o mapa dos perigos são muitos. A 12 de Março [de 2002], a Deco - Associação de Defesa do Consumidor pediu o fecho de três estações da rede do metropolitano em Lisboa: Baixa-Chiado, Marquês de Pombal e Alameda chumbaram na apreciação da associação. «Os passageiros do metro correm sérios riscos de vida» naquelas estações, disseram os responsáveis da Deco.
Na altura, Fernando Curto – em declarações ao Público – considerou que «o encerramento de três estações é uma posição demasiado radical, pois, nesse caso, ter-se-ia que fechar também muitos parques de estacionamento, centros comerciais e até hotéis». Ao PortugalDiário lembrou que a Deco nem referiu uma estação «tão ou mais perigosa que aquelas três – a do Parque», pela sua profundidade e por ter uma única saída para o exterior.
Outros exemplos foram ainda apontados por Fernando Curto: os lares de idosos (com vários acidentes mortais nos últimos anos), mas também as escolas. «Agora, se alguém assalta uma escola colocam-se grades, esquecendo-se de que essas grades podem ser um obstáculo no caso de incêndio.»
O que pedem então os bombeiros? A possibilidade de acompanhar e fiscalizar todos estes casos. «Não querendo ser polícias», o presidente da ANBP invoca os exemplos de outros países, em que os bombeiros podem mandar fechar locais públicos, como empresas, discotecas ou centros comerciais, por falta de segurança.
[* - nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]
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