Reportagens do baú: Como vender os sucessos do chuveiro
[artigo originalmente publicado no PortugalDiário a 5 de Junho de 2001]
REPORTAGEM: Do chuveiro ao disco compacto a distância é grande. E do disco compacto à venda nos escaparates ainda maior é a distância

A originalidade do grupo de Alcobaça ajudou, assim como a “boa imprensa” com recensões elogiosas. Hoje, o mercado já não impõe nomes novos. É uma jogada de alto risco: «Não interessa editar muito, por não ter retorno», sublinha António Brissos, da Movieplay. «Em 1998 ou 99, o mercado suportava bem [as edições], agora não», acrescenta.
Lembra-se do êxito dos Silence 4? A editora teve que reforçar o “stock” de «Silence Becomes It» nas lojas, apanhada de surpresa pelas vendas. Outro fenómeno orquestrado por duas pautas essenciais: “soprar ao ouvido” e alguma comunicação social. Esta semana, o grupo está em Espanha a promover o seu segundo álbum. Ao alcance de poucos.
Faixa 2. Há quem se diga “punk reaccionário” ou cante “música aconchegante”. A originalidade não se mede por estas etiquetas. É preciso esquecer o que anda nas rádios, as imitações de “britney spears” ou dos “depeche mode”, o som “à luís represas” ou a voz feminina mais orquestra “à gift”. Também não vale a pena imitar os Cebola Mol e Zé Cabra. São fenómenos pontuais que ninguém parece querer repetir até à exaustão da fórmula do “desafinado”. Mas para convencer uma editora é preciso insistir muito – do chuveiro ao disco compacto a distância é grande. E do disco compacto à venda nos escaparates ainda maior é a distância.
O pequeno retalho faliu, as grandes superfícies modelam gostos, o IVA é taxado a 17 por cento e as rádios estão formatadas para nomes feitos. Aliás, «as rádios não fazem êxitos, só tocam êxitos», queixaram-se ao PortugalDiário diferentes responsáveis editoriais. Sobretudo de editoras mais pequenas. Da televisão, não vale a pena falar. Não há um único programa de divulgação musical, exceptuando os inevitáveis “tops”. «E coisas que não tenham vídeos passam dificilmente para o público», completa António Brissos.
«O “do it yourself” também está um pouco esgotado», reconhece Brissos. Ainda assim, a Strauss distribui «artistas que aparecem com tudo feito», como Shen Ribeiro ou Vá-de-Viró. Mas às mesas dos “A&R” [artistas e repertório] das editoras chegam outras coisas, sem tudo feito: bandas de garagem, produtos inspirados nos novos sons de dança, como por exemplo Daft Punk, «muito na onda do que se ouve», conta António Brissos.

Faixa 3. Lisboa também é uma cidade pouco musical. A maior parte das propostas recebidas pelas editoras contactadas vêm de todo o lado, de Bragança a Faro, e pouco da capital – onde estão os palcos e... as editoras. E também «de portugueses radicados no estrangeiro», revela Ana Abrantes, da Strauss.
Nos arredores da capital – nas localidades com fortes comunidades de imigrantes – nascem cantigas de amor e maldizer ou histórias de mortos-vivos envoltas nas (velhas e novas) sonoridades africanas, como por exemplo o “kuduro”.
De ideias feitas, grupos e artistas “ensinam” as editoras a fazer e promover os “álbuns”: ir um mês a Londres, para gravar eventualmente com um produtor famoso, que tenha trabalhado com os U2 ou os Oasis, e depois uma festa de lançamento no Lux – condição obrigatória – mesmo que a música não se adeque àquele espaço nocturno lisboeta.
Créditos finais. Viver da música não é coisa fácil em Portugal. Os nomes feitos têm mercado, mas mesmo esses arriscam-se a vender meia dúzia de discos e a voltar aos circuitos dos bailes de paróquia e festas populares. «Hoje, o tempo de vida de um disco é muito menor», sublinha António Brissos. Os outros todos bem podem continuar a tentar. Nem que seja todas as manhãs no chuveiro.
[imagens: capa do álbum Vynil, dos Gift (em cima), e foto de David Fonseca e Sofia Lisboa, dos Silence 4 (em baixo)]
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