Um blogue de notícias, publicado por Miguel Marujo, jornalista com a carteira profissional nº 5950. O ponto de partida do repórter é Lisboa, mais como espaço físico onde se situa o jornalista, do que como único motivo de reportagem. Aqui não descobrirá a história ao minuto, mas uma tentativa de manter um olhar atento e, eventualmente, diferente sobre a Cidade. Envie-nos o seu alerta, a sua sugestão ou o seu comentário para mmarujo@gmail.com

31.12.06

Reportagens do baú*: Jesus, 26 anos, procura mulher adorável

[publicada originalmente a 23 de Dezembro de 2000, no Portugal Diário]

Um site, hoje noutras mãos e com outros objectivos, apresentava Jesus, jovem «em busca do sentido da vida». A brincadeira acabou. Fica a memória

Jovem solteiro, 26 anos, louro e caucasiano, procura mulher adorável, dos 18 aos 29 anos, que queira «uma relação apaixonada e de confiança, fundada na busca do sentido da vida, como no desejo de partilhar um romance profundo e uma paixão sem limites».

É assim que se apresenta Jesus, um americano dos «subúrbios de Northern Virginia», que se antecipou a todas as entidades cristãs com o registo de um endereço único na Internet: http://www.jesus.com. Mas Jesus, o Americano, parece recusar ser vendilhão no Templo e fazer dinheiro com este domínio, vendendo-o a potenciais interessados [act.: hoje o site mudou de mãos e de objectivos; quando se escreve aquele endereço acaba-se no site de Metropolitan Community Churches; não sabemos se o jovem foi "vendilhão"]. Opta antes por apresentar uma página que poderá ser humorada, para uns, e porventura blasfema, para outros.

O Jesus deste reino também profere sermões, apresenta músicas, regista as suas acções diárias. As suas características parecem ser uma boa síntese do outro Jesus, o Nazareno: «honesto, inteligente, criativo, responsável, com sentido de humor, financeira e emocionalmente estável, enérgico e positivo».

Este Jesus é também um comum americano “WASP” («white, anglo-saxon and protestant»), por vezes muito próximo da linguagem dos tele-evangelistas que pululam as televisões americanas. Mas o que lhe falta em demagogia, sobra em humor: Jesus aprecia, entre outras coisas, longos passeios românticos e filosofia alemã do século XIX, em particular Nietzsche e Schopenhauer.

Já as candidatas a partilhar «o espírito do eterno» deverão ler uma breve passagem da primeira carta do apóstolo João: «No amor não há temor; pelo contrário, o perfeito amor lança fora o temor; de facto, o temor pressupõe castigo, e quem teme não é perfeito no amor» (1 Jo 4,18).

Talvez seja esta exigência de perfeição a retraír possíveis mulheres candidatas e o “sr. Jesus” propõe-se então dar uma oportunidade a todas aquelas que queiram «tomar duche» consigo. Uma tentação de mau gosto.

27.12.06

[pausa]

Este blogue de notícias faz uma pausa. Para as festas. E deseja aos leitores ocasionais ou insistentes, um bom Ano de 2007.

23.12.06

Armas ilegais apresentadas ultrapassaram as 3000

PRIMEIRA MÃO: Campanha de entrega voluntária terminou quarta-feira. Números ainda não estão fechados, mas iniciativa excedeu expectativas.


A campanha de entrega voluntária de armas ilegais terminou com a apresentação de mais de três mil armas não licenciadas, nos postos da GNR, esquadras da PSP e parceiros associados desta iniciativa, faltando ainda apurar os números exactos das sub-unidades da Guarda, apurou o LxRepórter junto do Ministério da Administração Interna (MAI).

Apesar da campanha ter terminado na quarta-feira não foi possível ao Ministério fechar as contas de todo o armamento recolhido e apresentado, pela dispersão geográfica e entidades envolvidas. Iniciada em Outubro, ao abrigo da nova lei que regula o uso e porte de armas, a campanha será um êxito, a avaliar pelas primeiras declarações de responsáveis. Já na terça-feira, penúltimo dia da iniciativa, na apresentação de um primeiro balanço, o director nacional da PSP, Orlando Romano, anunciava a apresentação de 1162 armas, o que excedia as suas expectativas, já que a PSP estimava que não atingisse as mil armas.

A Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, definia o dia 20 de Dezembro como data limite para não penalizar os detentores de armas não licenciadas e que pretendesse regularizar a sua situação ou entregá-las nas forças de segurança. Agora, o Governo promete mão dura com aqueles que forem encontrados na posse ou a fazer uso de armas ilegais, com penas de prisão que podem ir dos dois aos oito anos para armas de guerra e dos dois a cinco anos para outro tipo de armas.

Ver notícias relacionadas:
Administração Interna já recebeu quase 1300 armas ilegais
e Armas ilegais: números finais só esta quinta-feira

22.12.06

Reportagens do baú*: Cuidado com o beijo


 

[publicada originalmente a 23 de Dezembro de 2000, no Portugal Diário

Bispo de Leiria-Fátima pediu cautelas no tradicional ritual das missas de Natal, por causa do «recrudescimento da tuberculose» 

Um simples beijo no “menino”, um gesto quase mecanizado, repetido em todos os natais, nas igrejas portuguesas de Norte a Sul. Bastou um alerta sobre possíveis perigos relacionados com este beijo e logo se inflamaram alguns ânimos. 

O bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim Ferreira e Silva, sugeriu aos padres da diocese que encontrassem alternativas ao tradicional beijo na imagem do Menino Jesus, uma tradição nas missas desta época natalícia, para «acautelar os riscos», quando se assiste ao «recrudescimento da tuberculose», mas rejeitando qualquer proibição e alarmismos. Apesar das cautelas do responsável eclesiástico, a iniciativa mereceu críticas do director da Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias, António Romão, em declarações ao jornal «Público», esta sexta-feira. 

Para este médico pneumologista, «a eficácia dessa proibição é praticamente nula», acrescentando que «só se a pessoa mandasse uma expectoração é que haveria algum perigo». E remata que «as pessoas que vão beijar o Menino Jesus nem sequer pertencem aos grupos de risco», como emigrantes clandestinos ou toxicodependentes. 

A proposta inédita é «um sinal simbólico e pedagógico» às comunidades, explicou o prelado de Leiria ao PortugalDiário. «Alertado por uma médica» e apoiado por um grupo de médicos do Hospital de Leiria, D. Serafim quis sensibilizar a população. Afinal, diz, «a Igreja tem sido paladina dos direitos da saúde», com uma «caminhada social notabilíssima». 

Na sua mensagem de Natal, o bispo de Leiria dirige um apelo aos padres diocesanos para que, «apesar das tradições e dos sentimentos», procurem «encontrar alternativas, que respeitem a dignidade do gesto e a preservação da saúde». Uma vénia, um gesto de carícia na imagem ou uma genuflexão são algumas das possibilidades. Que os padres de Leiria, contactados pelo PortugalDiário, não rejeitam. «Estou disponível para outro tipo de gestos que as pessoas assumam», diz Abílio Lisboa, padre em Pousos. Para o pároco da Sé de Leiria, Joaquim Almeida Baptista, os fiéis poderão fazer «o gesto que quiserem, aquilo que as sensibiliza mais», uma recomendação que António Pereira Faria, prior da Barreira, outra freguesia do concelho de Leiria, também fará aos seus paroquianos. 

«Sem alarmismos», os sacerdotes referem que este «é um assunto menor», na expressão de Pereira Faria, e que esta não «é uma questão fundamental do cristianismo», como acrescenta Almeida Baptista. Mas, reconhecem, a atenção à saúde pública é um aspecto necessário. Por isso, o prior da Sé não fará «tábua rasa da recomendação». Por enquanto, e porque a «sensibilidade vai-se apurando lentamente», D. Serafim Ferreira e Silva mantém a tradição: «No dia de Natal, eu próprio darei a imagem a beijar a quem quiser». 

Esta advertência sobre o beijo no “menino” levantou a questão da distribuição da comunhão na boca, «muito mais importante», na expressão de todos aqueles que foram ouvidos pelo PortugalDiário. D. António Marcelino, bispo de Aveiro e vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, refere que na próxima assembleia do clero da sua diocese, a 28 de Dezembro, este será um assunto na mesa. E diz que insistirá com os sacerdotes para adoptarem a comunhão na mão, «mas sem forçar ninguém». 

D. Manuel Falcão, bispo resignatário de Beja e presidente da Comissão Episcopal da Liturgia, diz que se «deve caminhar» cada vez mais para a distribuição das hóstias na mão. E, referindo as palavras de Jesus na última ceia, diz que «“tomai e comei” não é meter na boca; tomar na mão é muito mais fiel à ordem de Cristo». Por tudo isto, em Pousos, «como prática, as crianças são educadas a receber a comunhão na mão», conta Abílio Lisboa. Se ainda «há um caminho a percorrer», como diz este padre, porque «há maneiras arreigadas que tem de ser respeitadas, o respeito pela inovação também é importante». 


[* - nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]

21.12.06

«Sem amor, sem abrigo»

O protesto de um sem-abrigo que se pendurou hoje à tarde na Ponte 25 de Abril provocou congestionamentos de trânsito nos acessos Norte e Sul, onde as filas chegaram a atingir 14 quilómetros, disse fonte da GNR. «O homem que detivemos hoje, por volta das 18 horas, já é reincidente neste tipo de situação [é a terceira vez que faz isto]», disse à Lusa fonte da Brigada de Trânsito da GNR.

«É uma pessoa que tem condições de vida, mas vive na rua por opção e faz isto para chamar a atenção para a causa dos sem-abrigo, da qual é um mártir», explicou à Lusa o capitão Gomes do destacamento de trânsito de Lisboa da GNR.

O homem, que esteve desde as 13 horas pendurado por uma corda na ponte 25 de Abril, exibia um cartaz em que se lia «Sem amor, sem abrigo». [texto e foto: Agência Lusa]


[O LxRepórter abre uma excepção à sua linha editorial e publica esta notícia da Lusa, pelo insólito da mesma.]

20.12.06

Armas ilegais: números finais só esta quinta-feira

O Ministério da Administração Interna remete para amanhã, quinta-feira, a divulgação dos números finais da campanha de recolha de armas ilegais, que terminou hoje. Ontem, ao fim do dia, os números da PSP indicavam a apresentação de 1296, como revelou o LxRepórter, das quais mais de 400, tinham ficado retidas, por ser impossível a sua legalização. Aos números da PSP será necessário juntar os números dos parceiros da iniciativa, a Comissão Nacional Justiça e Paz e clubes de tiro, bem como os de postos da GNR.

Para um dos responsáveis da Comissão Justiça e Paz de Braga, Bernardino Silva, é necessário fazer muito mais no combate às armas ilegais. O Governo admite endurecer agora a fiscalização do armamento sem licença.

19.12.06

Administração Interna já recebeu quase 1300 armas ilegais

PRIMEIRA MÃO: Campanha de entrega voluntária termina esta quarta-feira. Ministério ainda não tem contabilizado armamento entregue em instituições parceiras.


O Ministério da Administração Interna (MAI) recebeu 1296 armas ilegais, contabilizadas até esta terça-feira, penúltimo dia da campanha de entrega de voluntária, promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz em parceria com o ministério de António Costa, apurou o LxRepórter junto de fonte ministerial.

Esta campanha, lançada oficialmente em Outubro, decorre ao abrigo da nova lei das armas (Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro), que não penaliza os detentores de armas não licenciadas e que queiram regularizar a sua situação ou entregá-las nas forças de segurança. Segundo os dados a que o LxRepórter teve acesso, está por contabilizar o armamento ilegal entregue em instituições que colaboram na iniciativa.

Amanhã, quarta-feira, é o último dia para fazer essa entrega voluntária. Nos últimos dias, a campanha tem sido visível com anúncios publicitários, nomeadamente nas caixas multibanco. Depois do fim da iniciativa, o Ministério da Administração Interna penalizará com muita severidade, nas palavras dos seus responsáveis, quem for encontrado com armas sem licença, com prisão de dois a oito anos para armas de guerra, e de dois a cinco anos para outro tipo de armas.

A campanha da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) é o culminar de um ano de debates promovidos por este organismo da Conferência Episcopal Portuguesa. Na apresentação de um documento-síntese dos trabalhos da Audição Pública "Por uma sociedade segura e livre de armas", em Novembro passado, a presidente da CNJP, Manuela Silva, afirmou que "a filosofia subjacente à nova legislação vai no sentido que [consideram] o melhor: desincentivar os cidadãos relativamente à posse individual de armas, tornando muito mais exigentes os requisitos da posse legal e penalizando fortemente a posse e uso ilegais". Hoje, em declarações à RTP, Bernardino Silva, membro do Observatório sobre a produção, o comércio e a proliferação de armas da CNJP, sublinhou que é preciso fazer muito mais no combate às armas ilegais.

[Hoje, ao início da tarde, segundo a Lusa, mais de 1 100 armas em situação irregular tinham sido apresentadas junto da PSP, segundo o director nacional da PSP, Orlando Romano. Destas armas, segundo a Lusa, 416 ficaram nas instalações da Polícia, por impossibilidade de legalização ou por vontade dos proprietários e aquelas que tenham interesse histórico e cultural poderão vir a ser incluídas num futuro museu.]

18.12.06

Carris altera paragens no Marquês

As alterações da circulação automóvel na Praça do Marquês de Pombal, em Lisboa, com efeitos desde este fim-de-semana, depois do início de uma nova fase da obra de construção do Túnel do Marquês, voltaram a trocar as voltas aos utentes da Carris. Os autocarros que circulam na Avenida Fontes Pereira de Melo voltam a parar logo a seguir à Rotunda.

Nos últimos meses, os autocarros da Carris circularam pela Rua Camilo Castelo Branco, com as paragens das carreiras 36, 44, 45, 83, 90, 727, 746, 205 e 207 a situarem-se a seguir a esse cruzamento. Agora, voltam a recuar. Do outro lado da avenida, junto ao Parque Eduardo VII, as paragens mantêm-se nos mesmos locais.

16.12.06

Reportagens do baú*: Presos à consciência

[publicada originalmente a 12 de Março de 2002, no Portugal Diário]

INVESTIGAÇÃO: Testemunhas de Jeová condenados por recusarem o serviço militar e o serviço cívico. Em Portugal, como por todo o mundo, muitos fiéis seguiram uma proibição que lhes valeu em muitos casos a prisão


Uma proibição de 50 anos valeu a prisão de muitos fiéis das testemunhas de Jeová, em todo o mundo. Em Portugal, também houve condenações. E dois ou três jovens terão passado pela prisão. A causa: recusa em cumprir o serviço cívico em alternativa ao serviço militar. Em nome de Jeová, que neste caso se pode traduzir em nome da intransigência dos homens.

Como José (os nomes são fictícios), membro das testemunhas de Jeová numa cidade do interior de Portugal. Esteve em tribunal por recusar prestar serviço cívico. Condenado com «uma pesada multa monetária» – ficou cadastrado, por uma doutrina que já não existe. Ou Manuel, filho de portugueses emigrantes nos arredores de Paris, esteve preso um ano em 89/90. Em França, como noutros países, muitas testemunhas passaram pelas cadeias.

Hoje, «o serviço militar é uma questão de decisão pessoal, de responsabilidade individual», disse ao PortugalDiário Pedro Candeias, da Associação de Testemunhas de Jeová em Portugal (ATJ). Mas nem sempre foi assim: da II Guerra Mundial até 1996, os responsáveis veicularam a proibição do cumprimento de serviço militar e cívico.

Também diferentes acórdãos dos tribunais de relação e do Supremo Tribunal de Justiça dão conta de vários recursos apresentados por jovens condenados, por recusa de prestação de serviço cívico.

Uma testemunha, nascida em Luanda, recenseada para efeitos militares no Laranjeiro, baptizada numa congregação de Almada da ATJ: «Ali serviu como publicador cristão [divulga porta a porta a sua doutrina]. Declarou não aceitar prestar qualquer outro serviço em substituição do serviço militar», lê-se no acórdão.

Agora, uma publicação interna da ATJ – «Nosso Ministério do Reino» (Janeiro de 2002), a que o PortugalDiário teve acesso – anuncia o recenseamento militar para «varões» com 18 anos. Mais: trata-se de uma «obrigação cristã». O que mudou? «A lei», dizem os "anciãos" da ATJ. «Nada», respondem membros críticos da associação.

«As testemunhas de Jeová são profundamente cristãs», referiu Pedro Candeias. Por isso, seguindo «Jesus Cristo como ponto principal do ensino bíblico», devem recusar prestar serviço militar. A reserva é total, quando confrontado com as histórias individuais de "objectores ao serviço cívico": desconhece eventuais idas a tribunal, por não estar na altura (finais dos anos 80 e inícios de 90) na direcção da ATJ. E a recusa da prestação de serviço cívico? «Teriam de ser os próprios a responder», diz Candeias.

Esta é a linha oficial desde 1 de Maio de 1996: a revista «A Sentinela» adverte que «o cristão dedicado e baptizado terá de fazer a sua própria decisão [em cumprir um "serviço civil compulsório"] à base da sua consciência treinada pela Bíblia». Mais: «Os anciãos designados devem respeitar plenamente a consciência deste irmão e continuar a considerá-lo como cristão de boa reputação».

«No passado, algumas Testemunhas sofreram por se terem negado a participar numa actividade que sua consciência agora talvez permita», escreve-se ainda. Os críticos garantem que nunca se trataram de decisões pessoais, trataram-se de imposições. E quem não acatasse a ordem, era excomungado, desassociado, e ninguém podia falar com eles – condenados ao ostracismo.

Em 1949, no livro «Seja Deus Verdadeiro», o Corpo Governante – órgão máximo dirigente mundial – condenou o «serviço militar combatente ou não». Proibição reafirmada em 55, em nova edição, e em publicações internas («Despertai!», de 8/5/1975, e «A Sentinela», de 1/9/1986).

Como se lê num dos textos, de 1955: «A actividade de pregação dos ministros de Jeová lhes confere o direito de solicitar isenção de prestar treinamento militar e serviço nas forças armadas em que vivem. A condição de isenção das testemunhas de Jeová também as dispensa de prestar o serviço governamental que se requer dos objectores de consciência aos serviço militares, combatentes ou não». O ano de 1996 ainda estava longe.

O fim da proibição

Em Portugal não há dados para quantificar o número de testemunhas de Jeová que tenham sido condenados. Os processos ficaram dispersos por diferentes tribunais e o Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência (GSCOC) não recebeu esses dados sistematizados. O que se sabe é que cerca de 70/80 por cento dos objectores são fiéis daquele movimento religioso.

Até 1992, a obtenção do estatuto de objector de consciência ao serviço militar obrigatório obrigava a um processo judicial, uma medida só corrigida nesse ano – passando o processo a ser meramente administrativo.

Entre 1989 e 1992 foram vários os casos julgados. O Supremo Tribunal de Justiça emitiu 22 acórdãos sobre casos que envolveram testemunhas de Jeová objectoras de consciência. O incumprimento da prestação de serviço cívico implica uma pena que pode ir até dois anos.

As testemunhas de Jeová tentaram convencer os juízes que a sua recusa se fundava na sua doutrina. Os fiéis apenas se sentiam obrigados «a servir a Deus»: «Qualquer trabalho que fosse simples substituto para o serviço militar não seria aceitável às testemunhas de Jeová», lê-se em «Despertai!» (8/5/1975), uma argumentação repetida até à inversão da doutrina em 1996.

Às jovens testemunhas que recusavam cumprir a lei nunca lhes foi dito que o serviço cívico não estava ligado à instituição militar. E os processos seguiram para tribunal. Só não houve mais condenações por um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) – e pela actuação do GSCOC, que discretamente arrastou o reconhecimento de estatuto.

O acórdão do STJ, a 3 de Outubro de 1991, indica que «a concessão do estatuto de objector de consciência (...) não depende da prévia aceitação pelo requerente da prestação de serviço cívico, funcionando este como uma sua consequência e não uma condição». Ou seja, ninguém podia ir a tribunal apenas por manifestar a intenção de não cumprir o serviço cívico – apenas se recusasse a sua prestação, depois de convocado podia ser condenado.

Outro factor que veio aliviar a possível condenação de testemunhas de Jeová foi arrastar os seus processos: entre o momento em que o estatuto foi requerido e a altura em que se reconheceu como objector. Por isso, verificou-se um aumento de estatutos reconhecidos a partir de 1996, com grande expressão em 1999: 2062 novos objectores, num universo de cerca de seis mil em dez anos (1992-2001).

«Um mundo “orwelliano”»

«Bem vindo ao mundo “orwelliano” das testemunhas de Jeová», ironizaram fontes contactadas, a propósito de “sites” na internet e vozes críticas que, do interior das testemunhas de Jeová, procuram uma nova forma de viver a sua fé. «O que custa mais é transformar a partir de dentro», relataram. Por causa do «ostracismo» a que são votados os “dissidentes”, mas também os familiares que eventualmente permaneçam.

E há uma suspeição face àqueles que, de fora, procurem saber coisas sobre as testemunhas de Jeová, como revela uma advertência publicada em «Nosso Ministério do Reino» (Janeiro de 2002): «Irmãos de diversas congregações têm sido contactados por pesquisadores e outros que procuram obter informações sobre as Testemunhas de Jeová e a sua organização. (...) Se tais pessoas abordarem um publicador de congregação, ele deve fornecer o nome do superintendente presidente [um superior hierárquico]. Os anciãos [clero não remunerado] podem lidar com tais pesquisas e respondê-las de forma adequada (...).»

A falta de liberdade de expressão e os direitos humanos, a utilização da internet, as transfusões sanguíneas, o simples exercício do voto ou a recusa de cumprir o serviço cívico são alguns dos aspectos realçados pela documentação consultada.

A internet é hoje a principal fonte de críticas de muitas testemunhas de Jeová. Dezenas de sítios e páginas, sob a capa inevitável do anonimato, apresentam denúncias, procuram contradições, analisam documentação, alicerçado numa vontade – levantar «dúvidas». Um acto simples, mas reprovável, à luz do Corpo Governante, que tutela o pensamento “teológico” deste movimento religioso: «Não permita que dúvidas destruam a sua fé», lê-se num artigo publicado em «A Sentinela» (1/7/2001).

Num sítio crítico (“O Sentinela”, em alusão à revista das testemunhas de Jeová) defende-se a internet como o instrumento que permitiu a muitos «conhecer o outro lado da moeda, as mentiras, os envolvimentos políticos, os falsos moralismos, os ensinamentos erróneos de cumprimento de profecias». Sem controlo da Sociedade Torre da Vigia (hoje, Associação das Testemunhas Cristãs de Jeová), que desaconselha o uso da net por fiéis. Curiosamente os órgãos dirigentes mantêm um “site” oficial – que se proclama como o «sítio autorizado acerca das crenças, ensinamentos e actividades das Testemunhas de Jeová».

Site oficial: Testemunhas de Jeová
Imprensa: site autorizado de informação

[* - nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]

15.12.06

Petição na internet pede suspensão da TLEBS

"A suspensão imediata da implementação da experiência pedagógica TLEBS [Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário]" é a principal exigência de uma petição on-line dirigida ao Presidente da República, presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro e ministra da Educação. Os signatários defendem que esta experiência faz dos alunos "cobaias de validação de teorias linguísticas consideradas desajustadas por muitos especialistas em Educação e em Língua e Literatura Portuguesas".

Segundo o texto - disponibilizado na internet por José Manuel Nunes, autor do blogue Os Dedos, que se apresenta como "pai de uma criança de 10 anos, a frequentar o 5º ano da Escolaridade Obrigatória" -, a TLEBS "veio propor toda uma nova terminologia para a Gramática Portuguesa, em moldes experimentais". Nas palavras do promotor, "os alunos do 3º, 5º 7º, 9º e 12º anos estão este ano a servir de cobaias ao que o Estado chama de «experiência pedagógica TLEBS»". E acrescenta: "Estes termos estão à experiência, não estão validados. São conteúdos experimentais. É a sua aplicação aos alunos que irá dizer se são adequados ou não. Para o próximo ano lectivo a TLEBS será alargada a todos os anos lectivos, abarcando todos os alunos do país em idade escolar."

Mas a experiência não tem estado a correr de feição, alertam os subscritores, que citam vários responsáveis envolvidos no projecto que manifestaram publicamente as suas dúvidas, como a professora Maria Helena Mira Mateus, uma das linguistas responsáveis pela TLEBS. Mesmo o presidente da Associação de Professores de Português (que é "a favor" da experiência), citado pelo documento, "não sabe ainda se esta terminologia é a terminologia de que o sistema educativo tem necessidade".

Para além das falhas existentes no processo, como os atrasos na formação de professores ou a avaliação de alunos do 12º ano para uma terminologia com que só agora tomam contacto, os signatários lembram que "o esforço de aprendizagem que é exigido aos alunos pode ser inconsequente [porque] o Ministério da Educação já admitiu parar ou rever o processo no final deste ano lectivo".

Face ao "caos" que se vive no processo, os signatários querem a imediata suspensão da experiência e da legislação que lhe deu origem e a regula.

[O texto da petição pode ser lido aqui neste site.]

13.12.06

Três postais ilustrados de Lisboa















O peão em Lisboa compete com o trânsito, denso, caótico, rápido. Com obstáculos, mais ou menos inesperados. Estas três fotos (captadas por telemóvel) representam três faces diferentes de um dia-a-dia já aqui retratado por palavras antigas (de 2002) mas que permanecem actuais. No primeiro caso (em cima, à esquerda), nos Olivais, na Avenida Dr. Francisco Luís Gomes, no entroncamento com a Avenida de Berlim, os peões têm durante uma boa centena de metros um passeio com dimensões junto a uma via de velocidades rápidas. A segunda imagem (em cima, à direita) retrata o aperto para quem se atreve atravessar nesta passadeira do Príncipe Real, entre uma paragem de autocarro (que ocupa o espaço da passadeira, quando parado) e uma bomba de gasolina. Por fim (foto em baixo), ao lado de uma outra paragem de autocarro, no Largo Trindade Coelho, ao Bairro Alto, um painel de propaganda da autarquia (degradado e desactualizado) anuncia que «Lisboa vai ficar mais bonita». E cheia de obstáculos, para quem caminha nos passeios da capital.

11.12.06

A paz misturada com o microcrédito

O discurso do novo prémio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, ontem proferido em Oslo, vai ser analisado num debate a realizar na próxima quinta-feira, dia 14, pelas 21h30, no ISCTE. O objectivo, de acordo com a Associação Nacional de Direito ao Crédito, que promove o encontro, é discutir como pode ser misturada a paz com o microcrédito.

Ontem, por ocasião da cerimónia de entrega do prémio, o fundador do Grameen Bank, pioneiro no microcrédito, Muhammad Yunus avançou já algumas pistas que alimentarão o debate, ao instar as empresas a renovarem o capitalismo, para assim "erradicar" a pobreza, que na sua opinião, é fonte do terrorismo. "As frustrações, a hostilidade e a fúria geradas pela pobreza abjecta não podem assegurar a paz em nenhuma sociedade", afirmou Yunus. No futuro, desejou, a pobreza só será encontrada em museus.

Para comentar e debater estas palavras, a Associação Nacional de Direito ao Crédito terá como convidados os economistas Manuela Silva e Mário Murteira e o secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, Fernando Medina.

10.12.06

Reportagens do baú*: Ratzinger não sabe nadar

[publicada originalmente a 10 de Abril de 2001, no Portugal Diário]

O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé ataca a música pop e a ópera. «O rock pode ser demoníaco, mas também é de Deus», contrapõe o padre-pop-star português


O cardeal Ratzinger conhecido por interpretar Mozart parece apreciar pouco outros géneros musicais



Um cardeal duro de ouvido ou alguém muito teimoso na defesa de algumas convenções. É o que se pode pensar das posições mais recentes de Joseph Ratzinger – cardeal da Cúria Romana e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – na apreciação que faz da música moderna e, pasme-se!, da ópera. Mas há quem defenda que a liturgia não deve ter um único ritmo.

«Expressão de paixões elementares», «culto da banalidade» e «corrosão do sagrado» são algumas das características apontadas pelo cardeal aos diferentes géneros musicais citados. Sem dó, nem piedade. José Luís Borga, um padre português que tomou de assalto a tabela de vendas de discos, defendeu ao PortugalDiário que é preciso contextualizar a intervenção do prefeito da Doutrina da Fé, «entre aquilo que afirma a título pessoal e o que a Congregação diz». Mas também se a intervenção de Ratzinger se refere apenas ao espaço litúrgico ou «se adjectiva toda a cultura».

Guardião da pureza da doutrina, Ratzinger considera o rock como «expressão de paixões elementares que, nos grandes concertos musicais, assumiu carácter de culto, ou melhor de contra-culto, que se opõe ao culto cristão». E não deixa de acusar o rock de querer falsamente «libertar o homem por um fenómeno de massas, perturbando os espíritos pelo ritmo, o barulho e os efeitos luminosos».

José Luís Borga sublinha: «Não vejo o rock a ajudar numa liturgia.» Mas distancia- se da posição de Joseph Ratzinger, com exemplos concretos de «concertos musicais»: a noite de expressão artística do Jubileu da Juventude, comemorado em Roma, em Agosto passado, e o concerto privado de Bob Dylan para o Papa João Paulo II. O mais importante, sublinha o padre-cantor, é «não pôr a liturgia num único ritmo». «Numa missa com crianças, não posso ter o gregoriano como referência. Ou numa missa com jovens...»

O cardeal Ratzinger mostra um estranho conhecimento da música pop: «Ela já não é mais apoiada pelo povo.» «Trata-se, na minha opinião, de um fenómeno de massas, de uma música produzida com métodos e a uma escala industrial e que se pode qualificar desde já de culto da banalidade», afirma. O prelado acusa ainda a música de ópera de ter «corroído o sagrado» no século passado e cita a esse propósito o Papa Pio X que, no início do século, «tentou afastar a música de ópera da liturgia».

Os exemplos de que a pop não é «apoiada pelo povo» não encontram ecos na própria Igreja de Ratzinger, como é o caso de Marcelo Rossi, um padre brasileiro que também faz da música popular veículo de «evangelização». Aquele que é comparado a Rossi em Portugal é cauteloso na apreciação do padre que enche estádios no Brasil: «Desde que essa não seja a sua única expressão» musical nas celebrações, sublinha Borga. «Seria igualmente condenável se se ficasse só no gregoriano», completa, realçando que a «cultura actual é tão plural que integra e não esquece estes ritmos [gregorianos]». Lembre-se o sucesso recente dos Enigma, de um álbum de monges beneditinos espanhóis e também dos Ademus.

Música de qualidade incipiente

Em Portugal, a música cristã (chamemos-lhe assim) é de «qualidade incipiente», com «muito poucos» a fazerem «algumas tentativas». Quem o diz é Fernando Resina, director da distribuidora evangélica (protestante) “Núcleo SoundClub”, que tem disponíveis mais de mil títulos, a maior parte em inglês, de grupos que transmitem uma mensagem cristã.

O responsável da maior empresa de distribuição deste tipo de música em Portugal (como diz Resina) assegura que há uma penetração aceitável no mercado, com vendas garantidas em livrarias e igrejas cristãs. «A concorrência no mundo secular é muito dura e muito forte», adianta Resina, pelo que é difícil fugir daquele circuito alternativo.

Nem o êxito do católico José Luís Borga convence o director da “Núcleo”. «Falta saber se as pessoas apreciam lá no fundo aquela música», diz. Apelidando Borga de «uma cópia de cantores evangélicos», Resina relativiza assim um possível contributo do padre-cantor para um maior sucesso no futuro da música cristã.

São outras as preocupações de Borga: «O rock pode ser demoníaco, mas também é de Deus», diz. Para dizer que o desafio que se coloca é «não fazer discursos que limitem» estas formas «diferentes de comunicação». Ou seja, nem tanto Rossi à terra, nem tanto Ratzinger ao mar.


[* - nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]

7.12.06

Três postais de Lisboa

1. Praça São João Bosco, em Lisboa, 15h35, quarta-feira. O caos está instalado, com buzinadelas furiosas a marcarem o ritmo do pára-arranca de automóveis que serpenteiam por entre outros mal parados, carrinhas de transporte especial, autocarros e eléctricos da Carris. A hora podia ser outra, de um qualquer dia da semana: de manhã cedo, entre as 8h e 8h30, ou à hora do almoço, ou pelo final da tarde, a partir das 17h30. O cenário também podia ser outro, em horas próximas: junto ao Centro Comercial das Amoreiras, na Avenida Eng. Duarte Pacheco, ou no topo da Avenida Álvares Cabral, junto ao Jardim da Estrela. O motivo é sempre o mesmo, e repete-se um pouco por toda a cidade: horários de entrada e saída de escolas, no caso o Colégio dos Salesianos, o Liceu Francês e o Jardim de Infância João de Deus, com os afunilamentos de trânsito motivados pelo estacionamento anárquico de pais e familiares, que vão buscar as crianças. O ranking das escolas parece ser proporcional à incivilidade no trânsito.

2. O Governo obrigou os parques de estacionamento a fraccionarem os pagamentos. Já a EMEL nas ruas de Lisboa soma e segue: estacionar nas Avenidas Novas, por exemplo, obriga a colocar moedas por um período mínimo de meia-hora. Preço tabelado no parquímetro: 31 cêntimos. Moeda mais pequena que se pode colocar: 5 cêntimos. A meia-hora afinal fica por 35 cêntimos.

3. Desde o Verão, é impossível circular, estacionar ou parar na Rua António Enes, em Lisboa, no quarteirão entre a Rua Filipe Folque e a Avenida Luís Bívar, onde se localiza a Embaixada de Israel [na imagem]. O motivo à vista de todos é a segurança da representação diplomática. Dois polícias com armas em punho e gradeamento estabelecem o perímetro, mas moradores e visitantes ocasionais não percebem o motivo de se manter a via cortada numa zona onde o estacionamento é um bem escasso, quatro meses depois da guerra com o Líbano, que aumentou o nível de segurança junto da embaixada.



















[representação das Avenidas Novas, com a indicação da localização da Embaixada de Israel, in Lisboa Interactiva]

5.12.06

Uma caixa de música no Cais do Sodré











Convoquem-se as memórias: o Johnny Guitar que iluminou a noite musical de Lisboa e o Texas que fez do Cais do Sodré, juntamente com o Tokyo e o Jamaica, local de muitas peregrinações. Agora, há a Music Box, que ocupará o lugar que já foi Texas, dinamizada por Alexandre Cortez, sócio do Johnny Guitar. Esta quarta-feira, dia 6, a partir das 23h, convocam-se novas memórias: Kalaf, Sam the Kid, João Gomes, André Carrilho e Miguel Quintão, acompanhado de João Pedro Gomes (no DJ set/VJing). A festa é de entrada condicionada, mas nos próximos tempos, a Music Box quer ser mais do que uma caixa de ressonância de outras paragens. Este mês de Dezembro, já estão agendados os QuestLove e promete-se uma festa Roots & Routes. A programação passará pela música, ciclos de cinema e vídeo e workshops audiovisuais. O Cais do Sodré volta a ter mais do que marinheiros e mulheres da noite.

4.12.06

Câmara de Lisboa mantém as suas próprias telas gigantes

[foto MM]

A Câmara Municipal de Lisboa anunciou regras para a publicidade na cidade, nomeadamente as telas gigantes, num despacho de Julho. A 8 de Outubro, o "Correio da Manhã" dava conta da remoção de três telas gigantes instaladas na Avenida da Liberdade, Avenida 24 de Julho e Avenida Casal Ribeiro, anunciadas como a "primeira acção de força" da autarquia.

Já por mais de uma vez, o vereador para o Ambiente, Espaço Público e Espaços Verdes, António Prôa, anunciou a intenção de limpar a cidade destas lonas que habitualmente ocupam fachadas de prédios devolutos ou em obras, mas também - nalguns casos excepcionais - de edifícios de escritórios ou residenciais. No levantamento então efectuado pela autarquia, foram registadas 52 telas nas ruas de Lisboa, tendo 16 delas recebido ordem de retirada imediata. "Na maioria dos casos passou o prazo do licenciamento, mas há algumas situações em que as telas não foram licenciadas", admitia então o vereador. A intenção, garante Prôa, é "devolver algum equilíbrio à cidade do ponto de vista urbano, pois as telas têm um forte impacto em termos visuais, o que provoca ruído".

Só que em casa de ferreiro espeto de pau: é a própria autarquia que provoca ruído em muitos locais da cidade. Na Avenida Fontes Pereira de Melo, junto à sede do Metropolitano de Lisboa, uma enorme tela ocupa a fachada de um prédio devoluto, da Rua Viriato à avenida, para anunciar a recuperação urbanística desta gestão camarária (o painel foi afixado a tempo das eleições autárquicas, no Verão de 2005). As obras no prédio estão paradas, a tela continua.

Segundo o despacho aprovado, a instalação deste tipo de suportes fica limitado a várias áreas da cidade, para promoções institucionais ou cobertura de prédio (mostrando em desenho como ele é). As zonas históricas, as praças emblemáticas, os bairros típicos de Lisboa e os monumentos nacionais estarão protegidos contra a instalação de publicidade. Alfama, Castelo, Bairro Alto, Bica, Mouraria, Chiado e Madragoa serão zonas livres de "ruído visual". Nas praças, como o Marquês de Pombal, Restauradores, Rossio, Camões, Praça do Império, Martim Moniz e Saldanha serão permitidas telas de "promoção institucional ou nos edifícios com operações urbanísticas, desde que a tela reproduza os elementos arquitectónicos do edifício", segundo a garantia de António Prôa.

Basta uma ronda por Alfama, para ver como de boas intenções está a autarquia cheia. Mais uma vez, muitas telas de promoção de obras camarárias (muitas delas paradas) enxameiam a vista, como se pode constatar pela foto publicada (junto à Igreja de São Miguel). Com o novo despacho "é feita uma remoção coerciva da tela, imputando os custos da operação às empresas responsáveis", explicava António Prôa, quando da sua primeira acção de força. A Câmara pode preparar-se para pagar.

1.12.06

Reportagens do baú*: Alguém já escreveu o próximo "best-seller"

[publicada originalmente a 11 de Maio de 2001, no Portugal Diário]

Os editores de livros não sabem, ou então são cegos e não querem arriscar. Mas na gaveta ficam esquecidos muitos sucessos, garantem os seus autores. Viagem aos livros que ficam por editar


Há sempre alguém que tem o próximo “best-seller” em casa. Os editores é que não sabem, ou então são cegos e não querem arriscar. Chega de tudo um pouco às mesas dos editores: uma “colectânea de artigos” (assim, como título de livro), contos, livros práticos “tipo-jantares-em-30-minutos” ou “a cozinha da minha avó”, recolha de citações sobre “mulheres” (dado o sucesso deste tipo de livros, garante o proponente) ou poemas, muitos e simples, como aquele que fazia rimar “O3”, com “mês”, “insensatez” e “CFCs”. Lá rimar, rima.

Passe o cliché. Portugal é um país de poetas, muitos poetas. E de contadores de histórias, também muitos. Há sempre alguém que tem o próximo “best-seller” em casa. Os editores é que não sabem, ou então são cegos e não querem arriscar.

Em Portugal, escreve-se muito e os que escrevem anseiam por publicar as suas obras. Os amigos, «a quem dei a ler o livro», gostaram e aconselharam a publicação.

À Bertrand, chegam 20 a 30 exemplares por mês. Na Editorial Notícias também são algumas dezenas as propostas que chegaram à mesa do editor Alexandre Manuel desde o início do ano. «Por amigos, por carta», os candidatos a escritores tentam a sua oportunidade: «Os livros são sempre os melhores, é “o livro que falta”», conta este responsável da Notícias.

Convencer um editor requer alguma estratégia: invocam-se prémios recebidos em pequenos concursos literários locais ou garantem-se prefácios de gente famosa. Ou então cartas charmosas com piscadelas de olho à política da editora. Até aqui tudo bem: o pior é a pressão por telefone, «de pessoas mais ou menos conhecidas», escritores ou nem por isso.

Ainda assim, ser indicado por alguém pode dar resultado. A Bertrand Editora acaba de publicar o primeiro romance de Mafalda Belmonte, enfermeira no hospital de S. José em Lisboa, que agradece «à Paula Bobone» [autora de livros de comportamento social] por lhe ter «“ensinado o caminho” para a Editora».

Da mão-cheia de propostas de edição recebidas pelas editoras, apenas uma ínfima parte é editada, reconhece Zita Seabra, responsável editorial da Bertrand e da Quetzal. Também Alexandre Manuel tem dificuldades em se lembrar de alguma obra que tenha vindo parar às suas mãos, nos últimos dois/três anos, e que tenha sido publicada. Acaba por se lembrar de um: «Casei com um padre, o testemunho de uma vida», relato na primeira pessoa de uma mulher, Fernanda Araújo, que «foi levada a casar-se com um padre». E refere um outro livro pensado para editar, apesar do autor da obra ainda não o saber.

A linha editorial das editoras também ajuda: por causa da «Guerra Colonial» (de Aniceto Afonso), a Editorial Notícias recebe muitas propostas de livros sobre África. Depois do lançamento de «Receitas Afrodisíacas & Desenhos Eróticos» (de Afonso Praça, com ilustrações de Francisco Simões), também lhes chegaram várias propostas deste tipo. E com a indicação de ilustradores preferidos.

Há ainda aqueles que sugerem o esquema de capa, exigem respostas breves (por terem outros editores interessados) ou que apresentam prefácios a atacar... os editores! Os mesmos a quem dirigem as propostas.

Mas não se pense que os editores desdenham das propostas que lhes chegam. «Há livros que se perderão, o que é uma pena», diz Alexandre Manuel, exemplificando com trabalhos demasiado especializados ou, «infelizmente», não comercializáveis. «Outros não se enquadram na nossa edição», diz Zita Seabra que fala também na «subjectividade» da escolha: «ninguém» sabe se está a rejeitar um sucesso retumbante ou um génio da escrita, lembrando as recusas de primeiras obras de Marguerite Duras e José Saramago. Ou a «raiva» em rejeitar uma obra que depois é um grande sucesso noutra editora.

A ética, «esse é que é o limite». Evitar a exploração de temas que estão no «fio da navalha», argumenta a editora da Bertrand. E exemplifica com uma proposta recebida – «uma proposta séria» – sobre a tragédia de Entre-os-Rios.

Arrume-se o cliché. Portugal não é um país de poetas. É um país de pessoas que não sabem ler poesia, sustenta Zita Seabra. «Não é com estados de alma que se conta uma boa história.»


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nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]

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