Um blogue de notícias, publicado por Miguel Marujo, jornalista com a carteira profissional nº 5950. O ponto de partida do repórter é Lisboa, mais como espaço físico onde se situa o jornalista, do que como único motivo de reportagem. Aqui não descobrirá a história ao minuto, mas uma tentativa de manter um olhar atento e, eventualmente, diferente sobre a Cidade. Envie-nos o seu alerta, a sua sugestão ou o seu comentário para mmarujo@gmail.com

25.11.06

Reportagens do baú: Xeque ao peão

[publicada originalmente a 20 de Junho de 2002, no Portugal Diário; para comparar com a actualidade...]

Os carros batem aos pontos os peões. Que têm de correr para atravessar avenidas ou circular em passeios cada vez mais estreitos

Vermelho. Sete segundos: É quanto demora o sinal verde para peões numa passadeira da Avenida da Liberdade, em Lisboa. Cinco faixas de rodagem têm de ser atravessadas em passo ligeiro.

Amarelo. Avenida Egas Moniz, em Lisboa. Junto ao Hospital de Santa Maria, os passeios largos foram reduzidos a metade de um lado e outro da artéria. Para criar espaços para paragens de autocarros e alargamento das faixas de rodagem.

Verde. As ruas da Baixa e do Chiado, na capital, vão ser fechadas ao fim-de-semana a veículos privados. Um balão de oxigénio para eventuais medidas mais ousadas, como a pedestrianização de alguns bairros.

Não é fácil ser peão no xadrez urbano. As estatísticas também o mostram friamente: este ano, nos primeiros quatro meses, dentro das localidades morreram mais doze pessoas do que em igual período do ano passado. E «a maior parte das vítimas pertence aos grupos etários dos mais idosos (24,4 por cento) e dos mais jovens (20,6 por cento)», como se lê num relatório de sinistralidade da Direcção-Geral de Viação.

«O automóvel foi-se assenhoreando da cidade, não só pelo estreitamento dos passeios como também ocupando os passeios, os largos», constata Fernando Nunes da Silva, urbanista.

Exige-se uma «outra opção política». «A cidade esgotou-se, não se pode sacrificar os que cá vivem», defende Nunes da Silva, que acrescenta outras soluções: «O desenho urbano deve ter em conta a circulação dos peões», é necessária «uma outra política de transportes», que «atenda às necessidades das pessoas nas suas deslocações; «uma maior intervenção da polícia»; «um maior respeito pelas passadeiras»; e «um controlo semafórico que privilegie o peão».

«Os grandes investimentos que se fazem são para os carros», acusa na mesma linha Manuel Costa Lobo, ex-provedor municipal do ambiente e da qualidade de vida urbana em Lisboa. Este professor universitário recorda ao PortugalDiário que «as cidades foram pensadas para os peões» no início do século XX. O Passeio Público em Lisboa é disso exemplo. Uma tendência que começou a ser contrariada na segunda metade do século, com a democratização do automóvel.

Costa Lobo dá outro exemplo lisboeta - mas, porventura, verificável noutras cidades: «Não foi pensada qualquer ligação pedonal entre Telheiras e o Campo Grande». Também Nunes da Silva aponta o dedo aos novos bairros na capital. «Aumenta-se a cércea [dos prédios] na mesma proporção que se diminui a largura dos passeios», diz, lembrando - só em Lisboa - Carnide, Lumiar, Quinta dos Barros e Telheiras.

Estas críticas foram "bandeiras" também na campanha de Pedro Santana Lopes, o actual presidente da autarquia: «Que a Câmara promova uma política que liberte os passeios para as pessoas, mas reclame a responsabilidade da rua para si ("Os passeios para as pessoas, as ruas para a cidade")», lê-se.

Das palavras aos actos já vão seis meses. Mas ao PortugalDiário Carmona Rodrigues, vice-presidente da autarquia com os pelouros do Trânsito e do Planeamento Urbanístico, confirmou a intenção em fechar alguns bairros aos carros. Nos fins-de-semana para começar.

Outra ideia defendida pelo vereador passa por «salvaguardar os passeios» do estacionamento selvagem, com a utilização de parques de estacionamento que estejam vazios à noite, como por exemplo na Alameda D. Afonso Henriques. «A preços simbólicos para os residentes».

Carmona Rodrigues defende que é preciso criar «contrapartidas que não penalizem quem tem carro». Mas muitas alterações à circulação prejudicam quase sempre o peão. «Cada serviço puxa a brasa à sua sardinha», reconhece o vereador. Até lá, o peão é servido enlatado... entre automóveis.


[* -
nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]

1 comment:

Rui MCB said...

25 € por mês para residentes no parque da Alameda dão direito a estacionar das 20h às 8h (informação recebida na Caixa de correio, com chancela da Epul).
Seria curioso saber quantos aderiram...

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