As armadilhas do Saldanha
REPORTAGEM: A histórica praça pública de Lisboa está cada vez mais adiada. Os peões perdem para os automóveis. E as obras do metropolitano agravaram ainda mais a situação para transeuntes, mas também aumentaram o perigo de quem circula de automóvel.
A Praça Duque de Saldanha, em Lisboa, continua uma praça adiada. Em Maio, quando do lançamento de uma obra com o mesmo título, pela Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), já se dizia que há «uma situação de desequilíbrio na repartição do espaço e do tempo entre os peões e os carros». No «estudo de fluxos pedonais na Praça do Duque de Saldanha», a socióloga francesa Hélène Frétigné, a quem foi encomendado o documento, dizia ser este «o aspecto que [devia atrair] as atenções merecidas dos políticos – que se concentram demasiadas vezes unicamente sobre os problemas dos utentes de veículos automóveis, e nomeadamente o problema do estacionamento – com o objectivo de melhorar as condições de circulação dos peões, actualmente são em contínuo sujeitos a situações de grande perigo».
Seis meses depois, nada mudou. Se houve alterações, talvez tenham sido para pior, com as obras de extensão da linha vermelha do metropolitano. A uma praça que estabelece a «ligação entre o centro histórico e muito frequentado da Baixa e o Norte da cidade», como uma «autêntica via rápida» de seis faixas, acresce agora - entre o topo norte do Saldanha e o cruzamento da Avenida da República com a Avenida Duque de Ávila -, o labirinto de circulação para peões e a perigosidade de desvios automóveis que aumentaram a possibilidade de «conflito» entre veículos e com transeuntes.
A revisão da matéria mostra a actualidade do estudo. «Hoje em dia, a Praça do Saldanha, apesar de ser muito frequentada por peões, tem sido quase exclusivamente organizada em torno do fluxo rodoviário. Isso revela-se naturalmente prejudicial na concretização do seu destino de praça pública.» Com as obras, o problema agudizou-se: na organização do espaço, os peões são os mais prejudicados, os que têm de percorrer maiores distâncias para chegar ao seu destino. O que não admira, se pensarmos que este eixo viário «é quase uma passagem obrigatória, uma porta tomada de empréstimo diariamente por milhares de veículos».
O peão que deseje seguir do Saldanha em direcção ao Campo Pequeno, pelo passeio do lado direito, só pode atravessar a Avenida da República (se não o fez no topo norte da praça), junto à Avenida João Crisóstomo, dois quarteirões à frente. O passo tem de ser acelerado para ter verde durante a travessia até ao passeio do outro lado. Já se o fizer pelo lado esquerdo da Avenida da República, o transeunte deve precaver-se para um labirinto, que se inicia junto à Avenida Duque de Ávila. Aqui tem de virar para esta artéria, uns 30 metros, contornando o estaleiro das obras, voltando a percorrer a mesma distância de regresso à Avenida da República. Aqui inicia, então, um percurso labiríntico por entre tapumes, que à noite nem sempre está iluminado (como por exemplo ontem, quando da reportagem do Lx Repórter), até alcançar o passeio junto ao portão do estaleiro e à pastelaria Versalhes.
À noite todos os gatos são pardos, ali. O portão está colocado em frente às faixas laterais da Avenida. Os automobilistas que vêm do Campo Pequeno podem seguir em frente, quase sem se darem conta de que estão a entrar no estaleiro, como assistiu a reportagem. E mesmo nas vias principais, que agora se cruzam em "u" para contornar as obras, a iluminação inexistente aliada à marcação defeituosa e quase apagada das faixas, é porta aberta para acidentes e choques frontais.
Se Hélène Fretigné realizasse por esta altura o estudo, o "inóspito local de passagem", como o definia em Maio a ACA-M, seria também agora um potencial assassino, pelo descuido na sinalização dos desvios. «As tensões, os riscos e os conflitos de uso que opõem peões a automobilistas, ambos reclamando o seu direito a esse território alcatroado», esses mantêm-se. E o Duque do Saldanha assiste impotente à degradação da sua praça pública.
Leia mais: o estudo completo sobre o Saldanha - Uma Praça Adiada, ACA-M (2005, ed. 2006).
A Praça Duque de Saldanha, em Lisboa, continua uma praça adiada. Em Maio, quando do lançamento de uma obra com o mesmo título, pela Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), já se dizia que há «uma situação de desequilíbrio na repartição do espaço e do tempo entre os peões e os carros». No «estudo de fluxos pedonais na Praça do Duque de Saldanha», a socióloga francesa Hélène Frétigné, a quem foi encomendado o documento, dizia ser este «o aspecto que [devia atrair] as atenções merecidas dos políticos – que se concentram demasiadas vezes unicamente sobre os problemas dos utentes de veículos automóveis, e nomeadamente o problema do estacionamento – com o objectivo de melhorar as condições de circulação dos peões, actualmente são em contínuo sujeitos a situações de grande perigo».
Seis meses depois, nada mudou. Se houve alterações, talvez tenham sido para pior, com as obras de extensão da linha vermelha do metropolitano. A uma praça que estabelece a «ligação entre o centro histórico e muito frequentado da Baixa e o Norte da cidade», como uma «autêntica via rápida» de seis faixas, acresce agora - entre o topo norte do Saldanha e o cruzamento da Avenida da República com a Avenida Duque de Ávila -, o labirinto de circulação para peões e a perigosidade de desvios automóveis que aumentaram a possibilidade de «conflito» entre veículos e com transeuntes.
A revisão da matéria mostra a actualidade do estudo. «Hoje em dia, a Praça do Saldanha, apesar de ser muito frequentada por peões, tem sido quase exclusivamente organizada em torno do fluxo rodoviário. Isso revela-se naturalmente prejudicial na concretização do seu destino de praça pública.» Com as obras, o problema agudizou-se: na organização do espaço, os peões são os mais prejudicados, os que têm de percorrer maiores distâncias para chegar ao seu destino. O que não admira, se pensarmos que este eixo viário «é quase uma passagem obrigatória, uma porta tomada de empréstimo diariamente por milhares de veículos».
O peão que deseje seguir do Saldanha em direcção ao Campo Pequeno, pelo passeio do lado direito, só pode atravessar a Avenida da República (se não o fez no topo norte da praça), junto à Avenida João Crisóstomo, dois quarteirões à frente. O passo tem de ser acelerado para ter verde durante a travessia até ao passeio do outro lado. Já se o fizer pelo lado esquerdo da Avenida da República, o transeunte deve precaver-se para um labirinto, que se inicia junto à Avenida Duque de Ávila. Aqui tem de virar para esta artéria, uns 30 metros, contornando o estaleiro das obras, voltando a percorrer a mesma distância de regresso à Avenida da República. Aqui inicia, então, um percurso labiríntico por entre tapumes, que à noite nem sempre está iluminado (como por exemplo ontem, quando da reportagem do Lx Repórter), até alcançar o passeio junto ao portão do estaleiro e à pastelaria Versalhes.
À noite todos os gatos são pardos, ali. O portão está colocado em frente às faixas laterais da Avenida. Os automobilistas que vêm do Campo Pequeno podem seguir em frente, quase sem se darem conta de que estão a entrar no estaleiro, como assistiu a reportagem. E mesmo nas vias principais, que agora se cruzam em "u" para contornar as obras, a iluminação inexistente aliada à marcação defeituosa e quase apagada das faixas, é porta aberta para acidentes e choques frontais.
Se Hélène Fretigné realizasse por esta altura o estudo, o "inóspito local de passagem", como o definia em Maio a ACA-M, seria também agora um potencial assassino, pelo descuido na sinalização dos desvios. «As tensões, os riscos e os conflitos de uso que opõem peões a automobilistas, ambos reclamando o seu direito a esse território alcatroado», esses mantêm-se. E o Duque do Saldanha assiste impotente à degradação da sua praça pública.
Leia mais: o estudo completo sobre o Saldanha - Uma Praça Adiada, ACA-M (2005, ed. 2006).
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