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publicada originalmente a 10 de Abril de 2001, no Portugal Diário]
O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé ataca a música pop e a ópera. «O rock pode ser demoníaco, mas também é de Deus», contrapõe o padre-pop-star português
O cardeal Ratzinger conhecido por interpretar Mozart parece apreciar pouco outros géneros musicais
Um cardeal duro de ouvido ou alguém muito teimoso na defesa de algumas convenções. É o que se pode pensar das posições mais recentes de Joseph Ratzinger – cardeal da Cúria Romana e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – na apreciação que faz da música moderna e, pasme-se!, da ópera. Mas há quem defenda que a liturgia não deve ter um único ritmo.
«Expressão de paixões elementares», «culto da banalidade» e «corrosão do sagrado» são algumas das características apontadas pelo cardeal aos diferentes géneros musicais citados. Sem dó, nem piedade. José Luís Borga, um padre português que tomou de assalto a tabela de vendas de discos, defendeu ao
PortugalDiário que é preciso contextualizar a intervenção do prefeito da Doutrina da Fé, «entre aquilo que afirma a título pessoal e o que a Congregação diz». Mas também se a intervenção de Ratzinger se refere apenas ao espaço litúrgico ou «se adjectiva toda a cultura».
Guardião da pureza da doutrina, Ratzinger considera o rock como «expressão de paixões elementares que, nos grandes concertos musicais, assumiu carácter de culto, ou melhor de contra-culto, que se opõe ao culto cristão». E não deixa de acusar o rock de querer falsamente «libertar o homem por um fenómeno de massas, perturbando os espíritos pelo ritmo, o barulho e os efeitos luminosos».
José Luís Borga sublinha: «Não vejo o rock a ajudar numa liturgia.» Mas distancia- se da posição de Joseph Ratzinger, com exemplos concretos de «concertos musicais»: a noite de expressão artística do Jubileu da Juventude, comemorado em Roma, em Agosto passado, e o concerto privado de Bob Dylan para o Papa João Paulo II. O mais importante, sublinha o padre-cantor, é «não pôr a liturgia num único ritmo». «Numa missa com crianças, não posso ter o gregoriano como referência. Ou numa missa com jovens...»
O cardeal Ratzinger mostra um estranho conhecimento da música pop: «Ela já não é mais apoiada pelo povo.» «Trata-se, na minha opinião, de um fenómeno de massas, de uma música produzida com métodos e a uma escala industrial e que se pode qualificar desde já de culto da banalidade», afirma. O prelado acusa ainda a música de ópera de ter «corroído o sagrado» no século passado e cita a esse propósito o Papa Pio X que, no início do século, «tentou afastar a música de ópera da liturgia».
Os exemplos de que a pop não é «apoiada pelo povo» não encontram ecos na própria Igreja de Ratzinger, como é o caso de Marcelo Rossi, um padre brasileiro que também faz da música popular veículo de «evangelização». Aquele que é comparado a Rossi em Portugal é cauteloso na apreciação do padre que enche estádios no Brasil: «Desde que essa não seja a sua única expressão» musical nas celebrações, sublinha Borga. «Seria igualmente condenável se se ficasse só no gregoriano», completa, realçando que a «cultura actual é tão plural que integra e não esquece estes ritmos [gregorianos]». Lembre-se o sucesso recente dos Enigma, de um álbum de monges beneditinos espanhóis e também dos Ademus.
Música de qualidade incipiente
Em Portugal, a música cristã (chamemos-lhe assim) é de «qualidade incipiente», com «muito poucos» a fazerem «algumas tentativas». Quem o diz é Fernando Resina, director da distribuidora evangélica (protestante) “Núcleo SoundClub”, que tem disponíveis mais de mil títulos, a maior parte em inglês, de grupos que transmitem uma mensagem cristã.
O responsável da maior empresa de distribuição deste tipo de música em Portugal (como diz Resina) assegura que há uma penetração aceitável no mercado, com vendas garantidas em livrarias e igrejas cristãs. «A concorrência no mundo secular é muito dura e muito forte», adianta Resina, pelo que é difícil fugir daquele circuito alternativo.
Nem o êxito do católico José Luís Borga convence o director da “Núcleo”. «Falta saber se as pessoas apreciam lá no fundo aquela música», diz. Apelidando Borga de «uma cópia de cantores evangélicos», Resina relativiza assim um possível contributo do padre-cantor para um maior sucesso no futuro da música cristã.
São outras as preocupações de Borga: «O rock pode ser demoníaco, mas também é de Deus», diz. Para dizer que o desafio que se coloca é «não fazer discursos que limitem» estas formas «diferentes de comunicação». Ou seja, nem tanto Rossi à terra, nem tanto Ratzinger ao mar.
[* - nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]
1 comment:
Que pensaria ele de um trabalho como "Jesus Christ SuperStar"?
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