Um blogue de notícias, publicado por Miguel Marujo, jornalista com a carteira profissional nº 5950. O ponto de partida do repórter é Lisboa, mais como espaço físico onde se situa o jornalista, do que como único motivo de reportagem. Aqui não descobrirá a história ao minuto, mas uma tentativa de manter um olhar atento e, eventualmente, diferente sobre a Cidade. Envie-nos o seu alerta, a sua sugestão ou o seu comentário para mmarujo@gmail.com

16.12.06

Reportagens do baú*: Presos à consciência

[publicada originalmente a 12 de Março de 2002, no Portugal Diário]

INVESTIGAÇÃO: Testemunhas de Jeová condenados por recusarem o serviço militar e o serviço cívico. Em Portugal, como por todo o mundo, muitos fiéis seguiram uma proibição que lhes valeu em muitos casos a prisão


Uma proibição de 50 anos valeu a prisão de muitos fiéis das testemunhas de Jeová, em todo o mundo. Em Portugal, também houve condenações. E dois ou três jovens terão passado pela prisão. A causa: recusa em cumprir o serviço cívico em alternativa ao serviço militar. Em nome de Jeová, que neste caso se pode traduzir em nome da intransigência dos homens.

Como José (os nomes são fictícios), membro das testemunhas de Jeová numa cidade do interior de Portugal. Esteve em tribunal por recusar prestar serviço cívico. Condenado com «uma pesada multa monetária» – ficou cadastrado, por uma doutrina que já não existe. Ou Manuel, filho de portugueses emigrantes nos arredores de Paris, esteve preso um ano em 89/90. Em França, como noutros países, muitas testemunhas passaram pelas cadeias.

Hoje, «o serviço militar é uma questão de decisão pessoal, de responsabilidade individual», disse ao PortugalDiário Pedro Candeias, da Associação de Testemunhas de Jeová em Portugal (ATJ). Mas nem sempre foi assim: da II Guerra Mundial até 1996, os responsáveis veicularam a proibição do cumprimento de serviço militar e cívico.

Também diferentes acórdãos dos tribunais de relação e do Supremo Tribunal de Justiça dão conta de vários recursos apresentados por jovens condenados, por recusa de prestação de serviço cívico.

Uma testemunha, nascida em Luanda, recenseada para efeitos militares no Laranjeiro, baptizada numa congregação de Almada da ATJ: «Ali serviu como publicador cristão [divulga porta a porta a sua doutrina]. Declarou não aceitar prestar qualquer outro serviço em substituição do serviço militar», lê-se no acórdão.

Agora, uma publicação interna da ATJ – «Nosso Ministério do Reino» (Janeiro de 2002), a que o PortugalDiário teve acesso – anuncia o recenseamento militar para «varões» com 18 anos. Mais: trata-se de uma «obrigação cristã». O que mudou? «A lei», dizem os "anciãos" da ATJ. «Nada», respondem membros críticos da associação.

«As testemunhas de Jeová são profundamente cristãs», referiu Pedro Candeias. Por isso, seguindo «Jesus Cristo como ponto principal do ensino bíblico», devem recusar prestar serviço militar. A reserva é total, quando confrontado com as histórias individuais de "objectores ao serviço cívico": desconhece eventuais idas a tribunal, por não estar na altura (finais dos anos 80 e inícios de 90) na direcção da ATJ. E a recusa da prestação de serviço cívico? «Teriam de ser os próprios a responder», diz Candeias.

Esta é a linha oficial desde 1 de Maio de 1996: a revista «A Sentinela» adverte que «o cristão dedicado e baptizado terá de fazer a sua própria decisão [em cumprir um "serviço civil compulsório"] à base da sua consciência treinada pela Bíblia». Mais: «Os anciãos designados devem respeitar plenamente a consciência deste irmão e continuar a considerá-lo como cristão de boa reputação».

«No passado, algumas Testemunhas sofreram por se terem negado a participar numa actividade que sua consciência agora talvez permita», escreve-se ainda. Os críticos garantem que nunca se trataram de decisões pessoais, trataram-se de imposições. E quem não acatasse a ordem, era excomungado, desassociado, e ninguém podia falar com eles – condenados ao ostracismo.

Em 1949, no livro «Seja Deus Verdadeiro», o Corpo Governante – órgão máximo dirigente mundial – condenou o «serviço militar combatente ou não». Proibição reafirmada em 55, em nova edição, e em publicações internas («Despertai!», de 8/5/1975, e «A Sentinela», de 1/9/1986).

Como se lê num dos textos, de 1955: «A actividade de pregação dos ministros de Jeová lhes confere o direito de solicitar isenção de prestar treinamento militar e serviço nas forças armadas em que vivem. A condição de isenção das testemunhas de Jeová também as dispensa de prestar o serviço governamental que se requer dos objectores de consciência aos serviço militares, combatentes ou não». O ano de 1996 ainda estava longe.

O fim da proibição

Em Portugal não há dados para quantificar o número de testemunhas de Jeová que tenham sido condenados. Os processos ficaram dispersos por diferentes tribunais e o Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência (GSCOC) não recebeu esses dados sistematizados. O que se sabe é que cerca de 70/80 por cento dos objectores são fiéis daquele movimento religioso.

Até 1992, a obtenção do estatuto de objector de consciência ao serviço militar obrigatório obrigava a um processo judicial, uma medida só corrigida nesse ano – passando o processo a ser meramente administrativo.

Entre 1989 e 1992 foram vários os casos julgados. O Supremo Tribunal de Justiça emitiu 22 acórdãos sobre casos que envolveram testemunhas de Jeová objectoras de consciência. O incumprimento da prestação de serviço cívico implica uma pena que pode ir até dois anos.

As testemunhas de Jeová tentaram convencer os juízes que a sua recusa se fundava na sua doutrina. Os fiéis apenas se sentiam obrigados «a servir a Deus»: «Qualquer trabalho que fosse simples substituto para o serviço militar não seria aceitável às testemunhas de Jeová», lê-se em «Despertai!» (8/5/1975), uma argumentação repetida até à inversão da doutrina em 1996.

Às jovens testemunhas que recusavam cumprir a lei nunca lhes foi dito que o serviço cívico não estava ligado à instituição militar. E os processos seguiram para tribunal. Só não houve mais condenações por um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) – e pela actuação do GSCOC, que discretamente arrastou o reconhecimento de estatuto.

O acórdão do STJ, a 3 de Outubro de 1991, indica que «a concessão do estatuto de objector de consciência (...) não depende da prévia aceitação pelo requerente da prestação de serviço cívico, funcionando este como uma sua consequência e não uma condição». Ou seja, ninguém podia ir a tribunal apenas por manifestar a intenção de não cumprir o serviço cívico – apenas se recusasse a sua prestação, depois de convocado podia ser condenado.

Outro factor que veio aliviar a possível condenação de testemunhas de Jeová foi arrastar os seus processos: entre o momento em que o estatuto foi requerido e a altura em que se reconheceu como objector. Por isso, verificou-se um aumento de estatutos reconhecidos a partir de 1996, com grande expressão em 1999: 2062 novos objectores, num universo de cerca de seis mil em dez anos (1992-2001).

«Um mundo “orwelliano”»

«Bem vindo ao mundo “orwelliano” das testemunhas de Jeová», ironizaram fontes contactadas, a propósito de “sites” na internet e vozes críticas que, do interior das testemunhas de Jeová, procuram uma nova forma de viver a sua fé. «O que custa mais é transformar a partir de dentro», relataram. Por causa do «ostracismo» a que são votados os “dissidentes”, mas também os familiares que eventualmente permaneçam.

E há uma suspeição face àqueles que, de fora, procurem saber coisas sobre as testemunhas de Jeová, como revela uma advertência publicada em «Nosso Ministério do Reino» (Janeiro de 2002): «Irmãos de diversas congregações têm sido contactados por pesquisadores e outros que procuram obter informações sobre as Testemunhas de Jeová e a sua organização. (...) Se tais pessoas abordarem um publicador de congregação, ele deve fornecer o nome do superintendente presidente [um superior hierárquico]. Os anciãos [clero não remunerado] podem lidar com tais pesquisas e respondê-las de forma adequada (...).»

A falta de liberdade de expressão e os direitos humanos, a utilização da internet, as transfusões sanguíneas, o simples exercício do voto ou a recusa de cumprir o serviço cívico são alguns dos aspectos realçados pela documentação consultada.

A internet é hoje a principal fonte de críticas de muitas testemunhas de Jeová. Dezenas de sítios e páginas, sob a capa inevitável do anonimato, apresentam denúncias, procuram contradições, analisam documentação, alicerçado numa vontade – levantar «dúvidas». Um acto simples, mas reprovável, à luz do Corpo Governante, que tutela o pensamento “teológico” deste movimento religioso: «Não permita que dúvidas destruam a sua fé», lê-se num artigo publicado em «A Sentinela» (1/7/2001).

Num sítio crítico (“O Sentinela”, em alusão à revista das testemunhas de Jeová) defende-se a internet como o instrumento que permitiu a muitos «conhecer o outro lado da moeda, as mentiras, os envolvimentos políticos, os falsos moralismos, os ensinamentos erróneos de cumprimento de profecias». Sem controlo da Sociedade Torre da Vigia (hoje, Associação das Testemunhas Cristãs de Jeová), que desaconselha o uso da net por fiéis. Curiosamente os órgãos dirigentes mantêm um “site” oficial – que se proclama como o «sítio autorizado acerca das crenças, ensinamentos e actividades das Testemunhas de Jeová».

Site oficial: Testemunhas de Jeová
Imprensa: site autorizado de informação

[* - nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]

3 comments:

Anonymous said...

Caro Miguel sua "reportagem" seria felix se tivesse pelo menos a boa moral de não mentir tanto! Bem voc^e diz que é Jornalista, mas pelas suas palavras isso parece ser duvidoso, sou historiador e professor, conheço as testemunhas de Jeová, inclusive tenho uma irmã que é desta religião, tenho contato com as publicações das testemunhas e posso assegurar que suas informações são furadas e absurdas, volte pra faculdade, aprenda de novo! Sei que talvez não aprove meu comentário, mas quero que sinta pelo menos o gostinho da verdade.

Miguel Marujo said...

Caro anónimo,

eu tenho de voltar à faculdade e não escrever mentiras, diz você, mas a verdade é que recolhi muitos testemunhos de actuais testemunhas (ao vivo e em sites) que relatam isto. Se vir um pouco mais para lá da ortodoxia oficial não confundirá mais opinião com jornalismo factual, que é o que faço. Passe bem.

(Como vê, o seu comentário anónimo foi aprovado.)

Anonymous said...

Caro colega,
Concordo que muitas testemunhas foram presas por não abnegar o seu sentimento, como é o caso dos triângulos roxos - símbolos usados por Hitler para distinguir as testemunhas de Jeová dos judeu.
Mas, discordo sobre o fato do corpo governante desconselhar o uso da internet. O que os o corpo governante faz é solicitar que os seguidores utilizem a net de modo correto perante os olhos de Jeová.

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