Um blogue de notícias, publicado por Miguel Marujo, jornalista com a carteira profissional nº 5950. O ponto de partida do repórter é Lisboa, mais como espaço físico onde se situa o jornalista, do que como único motivo de reportagem. Aqui não descobrirá a história ao minuto, mas uma tentativa de manter um olhar atento e, eventualmente, diferente sobre a Cidade. Envie-nos o seu alerta, a sua sugestão ou o seu comentário para mmarujo@gmail.com

27.2.07

Traçar a rota da Lisboa deprimente

Um grupo de cidadãos quer traçar um roteiro no mínimo diferente para a capital: descobrir a «Lisboa deprimente», os edifícios que se detestam, as ruas e praças desmazeladas, os jardins maltratados - tudo o que deprima o lisboeta ou o seu visitante regular ou ocasional.

A campanha segue uma iniciativa idêntica lançada no Reino Unido e quer chamar a atenção das entidades públicas que mexem no espaço público - Governo, Câmara Municipal, Ippar, Ordem dos Arquitectos e Ordem dos Engenheiros. Os promotores aproveitam ainda o lançamento recente de uma agência, a Cenário Urbano, que pretende identificar espaços urbanos a necessitar de intervenção, para insistir na «necessidade de se evitar uma pesada herança para as novas gerações em termos urbanísticos, paisagísticos e tudo o mais que contribui para uma melhor ou pior qualidade de vida» dos cidadãos.

Para aderir basta visitar uma página criada especificamente para acolher as sugestões deprimidas: "Lx Deprimente" durará até ao fim do ano, com um primeiro balanço a fazer no Verão. «O objectivo é pressionar para a resolução de alguns desses casos», argumentam.

24.2.07

Reportagens do baú: Como vender os sucessos do chuveiro


[artigo originalmente publicado no PortugalDiário a 5 de Junho de 2001]

REPORTAGEM: Do chuveiro ao disco compacto a distância é grande. E do disco compacto à venda nos escaparates ainda maior é a distância


Faixa 1. Bateram a muitas portas, mostraram ao que vinham e propuseram fazer-se ouvir. Ninguém lhes ligou. Resolveram gravar em casa e com uma edição de autor nas mãos calcorrearam discotecas para deixar algumas cópias para venda. As pessoas começaram a ouvir, a comprar, a gostar e... a passar palavra. Quatro anos depois, os The Gift são um sucesso. Mas presentes destes não se repetem.

A originalidade do grupo de Alcobaça ajudou, assim como a “boa imprensa” com recensões elogiosas. Hoje, o mercado já não impõe nomes novos. É uma jogada de alto risco: «Não interessa editar muito, por não ter retorno», sublinha António Brissos, da Movieplay. «Em 1998 ou 99, o mercado suportava bem [as edições], agora não», acrescenta.

Lembra-se do êxito dos Silence 4? A editora teve que reforçar o “stock” de «Silence Becomes It» nas lojas, apanhada de surpresa pelas vendas. Outro fenómeno orquestrado por duas pautas essenciais: “soprar ao ouvido” e alguma comunicação social. Esta semana, o grupo está em Espanha a promover o seu segundo álbum. Ao alcance de poucos.

Faixa 2. Há quem se diga “punk reaccionário” ou cante “música aconchegante”. A originalidade não se mede por estas etiquetas. É preciso esquecer o que anda nas rádios, as imitações de “britney spears” ou dos “depeche mode”, o som “à luís represas” ou a voz feminina mais orquestra “à gift”. Também não vale a pena imitar os Cebola Mol e Zé Cabra. São fenómenos pontuais que ninguém parece querer repetir até à exaustão da fórmula do “desafinado”. Mas para convencer uma editora é preciso insistir muito – do chuveiro ao disco compacto a distância é grande. E do disco compacto à venda nos escaparates ainda maior é a distância.

O pequeno retalho faliu, as grandes superfícies modelam gostos, o IVA é taxado a 17 por cento e as rádios estão formatadas para nomes feitos. Aliás, «as rádios não fazem êxitos, só tocam êxitos», queixaram-se ao PortugalDiário diferentes responsáveis editoriais. Sobretudo de editoras mais pequenas. Da televisão, não vale a pena falar. Não há um único programa de divulgação musical, exceptuando os inevitáveis “tops”. «E coisas que não tenham vídeos passam dificilmente para o público», completa António Brissos.

«O “do it yourself” também está um pouco esgotado», reconhece Brissos. Ainda assim, a Strauss distribui «artistas que aparecem com tudo feito», como Shen Ribeiro ou Vá-de-Viró. Mas às mesas dos “A&R” [artistas e repertório] das editoras chegam outras coisas, sem tudo feito: bandas de garagem, produtos inspirados nos novos sons de dança, como por exemplo Daft Punk, «muito na onda do que se ouve», conta António Brissos.
Depois do êxito das guitarras dos Silence 4, muitos grupos soaram como a banda de Leiria. E «80 por cento das maquetes são cantadas em inglês», acrescenta. À imagem e semelhança de «Borrow», o tema dos Silence 4 que pôs Portugal a cantar em inglês. Ou dos álbuns dos Gift.

Faixa 3. Lisboa também é uma cidade pouco musical. A maior parte das propostas recebidas pelas editoras contactadas vêm de todo o lado, de Bragança a Faro, e pouco da capital – onde estão os palcos e... as editoras. E também «de portugueses radicados no estrangeiro», revela Ana Abrantes, da Strauss.

Nos arredores da capital – nas localidades com fortes comunidades de imigrantes – nascem cantigas de amor e maldizer ou histórias de mortos-vivos envoltas nas (velhas e novas) sonoridades africanas, como por exemplo o “kuduro”.

De ideias feitas, grupos e artistas “ensinam” as editoras a fazer e promover os “álbuns”: ir um mês a Londres, para gravar eventualmente com um produtor famoso, que tenha trabalhado com os U2 ou os Oasis, e depois uma festa de lançamento no Lux – condição obrigatória – mesmo que a música não se adeque àquele espaço nocturno lisboeta.

Créditos finais. Viver da música não é coisa fácil em Portugal. Os nomes feitos têm mercado, mas mesmo esses arriscam-se a vender meia dúzia de discos e a voltar aos circuitos dos bailes de paróquia e festas populares. «Hoje, o tempo de vida de um disco é muito menor», sublinha António Brissos. Os outros todos bem podem continuar a tentar. Nem que seja todas as manhãs no chuveiro.


[imagens: capa do álbum Vynil, dos Gift (em cima), e foto de David Fonseca e Sofia Lisboa, dos Silence 4 (em baixo)]

23.2.07

Manifestação inédita lembra que habitação é um direito

A habitação é um direito lembram os moradores de bairros afectados pelas demolições, que este domingo se juntam numa manifestação inédita, na Praça da Figueira, a partir das 15 horas, para exigir «uma política que controle a especulação desenfreada, promova o acesso e dignidade na habitação para todos».

Moradores dos bairros das Marianas, da Azinhaga dos Besouros, da Estrada Militar, da Quinta da Vitória, do Fim do Mundo e da Quinta da Serra apresentam um manifesto que pretende que «que seja respeitado o direito à habitação para todos, consagrado pelo artigo 65 da Constituição Portuguesa».

A denúncia é clara, para este movimento: «As rendas sobem! Os especuladores engordam! Os prédios caem!». E explicam ao que vêm: «Os bairros de barracas estão a ser demolidos, centenas de pessoas, sem possibilidade de acesso à habitação, são postas à força na rua. Constroem o país, estimulam a economia. Mas o Estado destrói-lhes o único tecto que têm.»

A acompanhar esta manifestação estão os habitantes dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras que mantêm um litígio com a Fundação Pedro IV, actual proprietária dos 1451 fogos nestes dois bairros lisboetas, depois do IGAPHE - Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (entretanto extinto) ter transferido para a Fundação, em 2005, a propriedade dos edifícios. De acordo com os moradores, em notícias publicadas nos seus blogues (Bairro dos Lóios e Fénix das Amendoeiras) houve «tráfico de influências e favorecimento político entre o IGAPHE e a Fundação», para além de irregularidades várias.

22.2.07

Muito que contar fora do mapa


De Moscovo a Pequim e de Pequim a Moscovo. Dois portugueses atravessaram três países, em seis semanas e trouxeram muito que contar. Durante a viagem foram relatando num blogue as peripécias e as histórias, agora preparam-se para mostrar as fotografias que também ilustraram as palavras.

A partir desta quinta-feira, e durante um mês, nos Goliardos (Rua da Mãe d'Água, nº9), a exposição "De Moscovo até Pequim" apresenta as fotografias de Joana Correia e Francisco Freire, depois da descoberta "mundos distantes e desconhecidos". Hoje, neste espaço de encontro, "vinhos, copos e etc.", os "produtores e actores" contam de viva voz as aventuras "fora do mapa".

Para as 19 horas, os Goliardos não podem acompanhar a viagem com vinhos de Moscovo e Pequim, mas prometem regar a conversa com um "Tinto-Cão bem danado da Quinta da Gaivosa" e uns queijos e presuntos de Foz Côa, "de fazer acordar as gravuras".

[foto: Joana Correia e Francisco Freire, in Fora do Mapa]

21.2.07

Interculturalidade e imigração em palco

Actores e espectactadores envolvidos, num jogo que não se esgota na peça representada. No final, o público pode intervir, subir ao palco, propondo ou actuando com outras soluções para o problema apresentado na peça. A proposta, no mínimo diferente, é do Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa, que leva à cena “Berimbu? Berimbé? Ou que raio isso é!”, onde a interculturalidade, a imigração e a diversidade se cruzam neste teatro-fórum.

De acordo com o grupo, “nesta peça reflecte-se sobre o grau de abertura da nossa sociedade aos que são diferentes, especificamente aos imigrantes que escolhem Portugal para viver”. Em palco, o Teatro do Oprimido apresenta possíveis visões sobre o problema, com os espectadores a apresentarem no fim as soluções do problema.

Esta metodologia foi desenvolvida na década de 1960, no Rio de Janeiro, Brasil, por Augusto Boal, que defendia que “toda a gente pode fazer teatro, até mesmo os actores”. Hoje, é praticada em mais de 70 países e tenta colocar o espectador a reflectir sobre a sua própria realidade.

Com encenação de Diogo Mesquita, a partir de uma criação do grupo, “Berimbu? Berimbé? Ou que raio isso é!” estreia quinta-feira, dia 22, às 22 horas, no Cineteatro A Barraca, em Santos (Lisboa).
Repete às quintas. Em palco serão oito actores, mais os que do público se envolverem.

16.2.07

Reportagens do baú: O diabo em nós

[artigo originalmente publicado no PortugalDiário a 3 de Junho de 2001]



A Igreja «devia tomar uma posição mais radical sobre os exorcismos. Muita gente está a sofrer por causa desta crença». Mas há quem garanta que está possuído


«Nessa cadeira onde você está, já esteve um homem que me ia partindo isto tudo.» Um exemplo de pessoas que se dizem com o diabo no corpo, contado ao PortugalDiário por Joaquim Carreira das Neves.

«Tire-me o demónio», pedem muitas pessoas que se dirigem a este padre. Ele recusa: «Não faço exorcismos.» Mas estuda o fenómeno e acompanha pessoas que se dizem possuídas. Como também acontecia com a pequena Regan no filme de William Friedkin, «O Exorcista», que é tomada pelo diabo.

O filme chegou devagarinho desta vez, sem o escândalo da estreia: a nova versão mais longa e em cópia restaurada estreou recentemente nas salas de cinema e em DVD. O que se vê e ouve no filme «é humano, é natural, não tem que ver com o diabo», explicou Carreira das Neves, professor da Universidade Católica e exegeta bíblico (um investigador que interpreta a Bíblia).

A miúda de 12 anos fala com voz masculina, automutila-se com um crucifixo e tem uma força descomunal capaz de arrastar homens e mobílias. Um comportamento humano e natural. Mas quem é que está no corpo de Regan? O diabo, responderão. Ou o mal. Que é a mesma coisa, acrescenta Carreira das Neves. É nesse sentido que apontam as referências bíblicas aos demónios, a Satanás e ao diabo. «São entidades sem personalidade ontológica, mas funcional. Temos que concluir que são símbolos», clarifica. O diabo não existe como pessoa, «é mesmo uma figuração».

Ser exorcista hoje

Faz então sentido exorcizar? É como que «um placebo», algo que alivia a dor com fins sugestivos ou morais, refere o padre franciscano. A Igreja tem um novo rito do exorcismo, apresentado em 1999, quando não era alterado desde 1614. Baseado num conjunto de orações, esta intervenção exorcista só acontece depois de a ciência, toda a ciência, não apresentar uma solução para disfunções psicológicas. «Aquilo é tudo histerismo», sublinha. A figura do padre é então fundamental porque a pessoa acredita que está possuída. Mas o rito deve ser sempre devidamente acompanhado por médicos.

Carreira das Neves critica a posição da Igreja: «Devia tomar uma posição mais radical [sobre os exorcismos]. Muita gente está a sofrer por causa desta crença.» O que é preciso, antes, é estar disponível para ouvir as pessoas. «Elas precisam de deitar para fora.» Falar, falar, falar.

Para não culpar Deus, culpa-se o diabo e os demónios. E não é coisa da “idade das trevas”: nesta época moderna e pós-moderna, as pessoas vão cada vez mais à bruxa e ao cartomante. «É um problema cultural», comenta o professor universitário. Afinal, em épocas de crise, de depressão económica, política e religiosa, «tudo serve para explicar o mistério da doença, do mal, a Morte». De tal forma que é frequente as pessoas perguntarem: «Que mal fiz eu a Deus?»

A história do diabo – acreditar no diabo e na incorporação do diabo – começa em épocas de crise: os judeus no exílio, desesperados pela libertação que não chegava (afinal, Israel esteve sob o jugo político de estrangeiros do século VI a.C. até... 1948, ano da independência), vêem-se nas mãos de Lúcifer. É nesta altura que nasce a literatura apocalíptica.

«O Exorcista», o filme, permite também um olhar sobre uma América em crise: 1973 seguia-se à crise petrolífera do ano anterior que lançou o mundo numa nova depressão económica; os soldados americanos continuavam a morrer no Vietname; Nixon era apanhado no escândalo de “Watergate”.

Hoje, as pessoas voltam de novo para o demónio. «Facilmente o arquétipo do demónio entra numa pessoa em disfunção», diz Carreira das Neves. «As pessoas já não acreditam como acreditavam na ciência.» E a pequena Regan já não assusta tanto: é humano aquilo que lhe acontece


Diabos, demónios e Satanás

São nomes que habitualmente usamos como sinónimos, mas que apresentam ligeiras diferenças. Demónio vem do grego daimónion, «génio mau», o maligno, enquanto que diabo vem do grego diábolos, ou seja, «caluniador», aquele que divide e nos afasta de Deus. Do hebraico satán, Satanás significa «inimigo, adversário» de Deus, aquele que evita a felicidade dos homens.

[foto: filme «O Exorcista»]

15.2.07

Um pouco mais de cultura

Por gosto e por um pouco mais de cultura, assim se apresenta a Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, em Lisboa. O nome atrapalha, mas refere-se ao compositor e violoncelista português do século XIX e fundador dos bombeiros voluntários em Portugal. «Fundada em 7 de Setembro de 1885 por 47 amadores de música e admiradores», a Sociedade é hoje palco de diferentes espectáculos e workshops de artes.

Este fim-de-semana não foge à regra, e a Sociedade anima a sua noite com um concerto de música "panqueróque", como se gostam de afirmar os grupos da Flor da Caveira, uma peculiar editora musical. A entrada de 2,50 euros dá direito a CD e a ver no palco Os Lacraus, Os Ninivitas, os Pontos Negros e As Velhas Glórias.

Velha glória é Raúl Solnado que já passou pelos palcos da Sociedade e se responsabiliza agora pela supervisão de um curso de teatro.

No mesmo espaço decorre ainda a exposição "Paisagem – Limiar", até dia 29 de Março, apresentando, em quatro momentos e individualmente, trabalhos de Ana Anacleto, Maria João Alves, Martinho Costa e Maria Jorge Martins. A programação regular da Sociedade pode ser acompanhada no seu site.

[foto: Raúl Solnado no palco da SIGC, nos anos 50/Sociedade]

Geografias de um explorador apresentadas em Lisboa

Brasil, Angola e Portugal são os territórios das viagens ficcionadas e reais encetadas por Ruy Duarte de Carvalho no seu novo livro "Desmedida – Luanda, São Paulo, São Francisco e volta. Crónicas do Brasil" (ed. Livros Cotovia), que será hoje apresentado, pelas 18h30, na Livraria Almedina (Atrium Saldanha), em Lisboa, por António Mega Ferreira. Este escritor, bem como o autor brasileiro Bernardo Carvalho, já tinham elogiado Ruy Duarte de Carvalho, quando do lançamento das anteriores obras "Vou lá visitar pastores" (1999) e "As paisagens propícias" (2005).

De acordo com a Cotovia, numa nota de apresentação deste novo livro, "o ponto de partida de Ruy Duarte foi a certeza de que o Brasil sempre foi, desde o início da expansão europeia, um terreno privilegiado para exploradores europeus e americanos. Depois, o autor procurou retratar o modo como absorveu as idiossincrasias de tão vasto país, numa viagem que começa em Luanda, tem como destino a grande metrópole de São Paulo e empreende um longo caminho de descoberta ao longo do rio São Francisco".

Os leitores poderão conhecer estas novas paisagens de Ruy Duarte de Carvalho, hoje ao vivo, ou no recato da leitura.

[foto Daniela Moreau/Cotovia]

14.2.07

Postal desta Lisboa inesperada (II)
- o primeiro contributo dos leitores




















«Bairro Estrela d'Ouro (Graça)» [painel de azulejos, na Rua Virginia]
O leitor António Paulino respondeu ao nosso desafio com várias fotos. Esta é a primeira.

13.2.07

Postal de Lisboa: mais um buraco



















Volta e meia Lisboa mostra as fragilidades de que é feita: esta manhã, na Praça São João Bosco (Prazeres), um buraco no pavimento, junto ao Colégio dos Salesianos, na proximidade da Rua Saraiva de Carvalho, obrigou à colocação de grades e fitas pela Polícia Municipal, assinalando uma área de segurança, numa zona de grande movimento de carros, autocarros e eléctricos, junto a estabelecimentos de ensino.

10.2.07

Reportagens do baú*: Fúria de conduzir

[artigo originalmente publicado no PortugalDiário a 26 de Março de 2002]

REPORTAGEM: Os americanos falam em "road rage", uma doença grave e contagiosa. E estudam-na. Em Portugal, não há dados sobre a agressividade ao volante, mas há casos. Recuperamos um


O Rover cola-se agressivamente à traseira do Ford – e passa-o bruscamente. No segundo veículo, o passageiro reage acenando um "adeus" ao condutor apressado. O aprendiz de Schumacher desacelera: alguém o tinha afrontado. E começa a conduzir para "empatar" a marcha do Ford. No semáforo seguinte, cai oportunamente o vermelho.

O condutor do Rover sai do carro, dirige-se para o Ford e parte o vidro, ferindo na cara o passageiro. Só não volta à carga porque a condutora deste veículo grita "sangue!". O agressor volta para a sua viatura – e segue marcha.

Este caso não é ficcionado. Foi relatado no PortugalDiário, e aconteceu a 2 de Março, em Lisboa. Nesse sábado, André estava longe de imaginar que acabaria com a cara desfigurada pelos estilhaços do vidro do automóvel. Vítima da "fúria ao volante", que muitos dizem ser doença.

Em Portugal, não há estudos sobre estes casos, que os americanos chamam de "road rage" [fúria ao volante]. Mas arriscam-se possíveis respostas: «A estrada é vista como uma situação de competição – não explícita, mas implícita», argumenta Francisco Navalho, psicólogo do Instituto de Reinserção Social (IRS) de Coimbra. «Todos se transfiguram ao volante», acrescenta. Quem nunca gritou, insultou ou se enfureceu a conduzir?

Também a GNR não tem dados sobre a matéria. Como a maior parte dos casos se reportam a injúrias e ofensas corporais, a Brigada de Trânsito não compila números, disse ao PortugalDiário Barão Mendes, oficial de Relações Públicas da corporação. As ocorrências são remetidas para as esquadras.

O IRS está a trabalhar, a nível nacional, num estudo sobre o crime de condução em estado de embriaguez. E algumas das pistas de trabalho podem aplicar-se à condução violenta: «Desvaloriza-se a complexidade da tarefa na condução», refere aquele psicólogo, ou seja, as pessoas acham que conduzir é simples, «um processo tão automático e fácil» quando não é. E pode existir uma tendência para se ser «mais agressivo e menos humilde ao volante».

Nos Estados Unidos, a "road rage" tem sido estudada por psicólogos e autoridades policiais, preocupados com o aumento dos casos e – sobretudo – com o crescimento da intensidade da "raiva": «Antes as pessoas costumavam gritar, agora disparam umas sobre as outras. É uma doença grave, e é contagiosa», observou ao San Francisco Chronicle o psicólogo Arnold Nerenberg, investigador do fenómeno e conselheiro de vítimas e agressores.

Francisco Navalho concorda com a leitura de Nerenberg: «A tensão urbana contagia-se». E explica: «O espaço urbano é denso e tenso, e há imponderáveis que não controlamos» – como fazer um percurso em duas horas, quando se esperava demorar 15 minutos. E geram-se mecanismos de resposta agressiva, que pode ter uma explicação neurológica e evolucionista, refere o psicólogo citando as teses de António Damásio. Que se explicam, de uma forma simplista: o cérebro é formado por camadas que se foram constituindo ao longo da evolução da espécie. A última camada é o córtex, o lado mais "humano", que controla outras camadas, incluindo a mais primitiva e "animal" – o sistema límbico. E nem sempre o córtex controla este sistema límbico.

Como evitar então estas situações? Respondem as autoridades americanas para a segurança rodoviária: «Concentre-se: não se distraia a falar ao telemóvel, a comer ou beber, ou a maquilhar-se. Relaxe: sintonize o rádio com a sua música favorita mais calma. Conduza dentro do limite de velocidade: poucos acidentes acontecem quando os carros circulam a velocidades idênticas ou próximas. Identifique caminhos alternativos: procure outras estradas. O que parece mais longo no mapa pode estar menos congestionado. Utilize os transportes públicos: assim evita o stresse ao volante. Atrase-se: se tudo o resto falha, chegue atrasado.» Apenas isto. Ou como antes se escrevia nas passagens de nível: páre, escute e olhe.


[* - nota: ao fim-de-semana, o LxRepórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]

8.2.07

Postal desta Lisboa inesperada (I)


[escadinhas da Calçada do Lavra, em Lisboa, foto MM, a 7/2/07]

6.2.07

O postal da Lisboa (in)esperada

Eis um desafio do LxRepórter - envie-nos [para mmarujo@gmail.com] uma fotografia da Lisboa (in)esperada: o prédio bonito a cair de podre, o passeio esburacado ou que serve de poiso para carros e presentes de cães, o jardim sem bancos ou de canteiros maltratados, o candeeiro que apenas "ilumina" de dia, mas também o recanto que foi recuperado, a limpeza da rua, a actividade que vale a pena. Comprometemo-nos a publicar aqui a foto (envie com uma breve legenda e o seu nome), para que os lisboetas descubram a cidade que escapa aos jornais e televisões - e , por vezes, aos autarcas da cidade.

As novas procuras de Deus nos dias de hoje

As “novas procuras de Deus” vão ser objecto de mais uma Semana de Estudos Teológicos, que decorrerão na Faculdade de Teologia de Lisboa, de 12 a 16 de Fevereiro. Durante os cinco dias de debates, um conjunto de especialistas ajudará a desenhar as “trajectórias e contextos” de quem hoje vive e procura Deus.

Segundo uma nota da organização desta 28ª Semana, “o cristianismo deve estar historicamente preparado para responder aos novos desafios, na medida em que se apresenta, desde as origens, como proposta de identificação crente que exige uma adesão pessoal, longe das formas religiosas mais correntes na época, fundadas na ancestralidade familiar ou na ordem da civilidade”.

A partir de uma conferência sobre “a construção da identidade no cristianismo das origens”, de José Tolentino Mendonça, os participantes serão depois conduzidos a reflectir sobre novas mediações, estéticas, espirituais e religiosas, que muitas vezes escapam aos “quadros da institucionalidade e normatividade religiosas”.

Outro aspecto que percorrerá a Semana é da necessidade da “grande narrativa eclesial [acolher] a pequena narrativa do sujeito crente”, numa época marcada pelo “desejo de descoberta e realização de si”.

5.2.07

"O Grande Silêncio" faz do cinema um convento

















Chega na próxima quinta-feira, 8 de Fevereiro, às salas de cinema (em Lisboa, no Nimas), o filme “O Grande Silêncio”, com uma aura de sucesso internacional junto da crítica e do público. O documentário do realizador Philipe Gröning penetra no quotidiano dos monges da Cartuxa, do Mosteiro de La Grande Chartreuse, a mais rígida das ordens monásticas católicas.


Num filme que se aproxima das três horas de duração, o silêncio é marca que se impregna, apenas entrecortado por cantos gregorianos das orações dos monges ou os barulhos de quem trabalha, reza, estuda e vive em silêncio. Neste filme, a voz humana surge em escassos momentos, os poucos em que os frades se permitem conversar ou falar.

O cineasta alemão esperou 16 anos para concretizar este projecto. A primeira vez que teve a ideia, em 1984, o prior da comunidade disse-lhe que teria de esperar, por ainda não estarem preparados. Depois, quando conseguiu autorização (um telefonema a dizer-lhe “pode vir”) viveu seis meses (repartidos no tempo) entre os monges, para contemplar o ritmo próprio dos frades.

As filmagens sem luz artificial, sem música adicional, nem comentários, foram as condições impostas pelos cartuxos. E a equipa teria de ser o próprio Gröning. O resultado pode ser visto (a solidão) e ouvido (o silêncio) a partir de quinta-feira. “A maior experiência que um espectador pode ter ao ver um filme é sentir o tempo”, explica Gröning.

“O Grande Silêncio” recebeu o Prémio Europeu de Cinema para Melhor Documentário.

3.2.07

Reportagens do baú*: a Igreja, a política e o aborto

[estes dois artigos foram publicados originalmente no PortugalDiário, quando das eleições presidenciais de 2001 e das legislativas de 2002]

«Já passámos o tempo em que se dizia em quem as pessoas deviam votar»
[12 de Janeiro de 2001]

Não caiu bem em alguns sectores eclesiais a iniciativa de três movimentos anti-aborto que enviaram uma carta aos párocos de todo o país para estes darem uma indicação de voto em Ferreira do Amaral [às eleições presidenciais], o «candidato que mais se aproxima de Cristo».
«Já passámos o tempo em que se dizia em quem as pessoas deviam votar», diz José Manuel Pereira de Almeida, pároco de Santa Isabel, uma freguesia do centro de Lisboa. «Hoje, está mais do que assumido que votar é de acordo com a consciência de cada um», adianta aquele padre, que confirma ter recebido a carta dos movimentos «Mulheres em Acção», «Tudo pela Vida» e «Vida Norte», cujo conteúdo foi divulgado esta sexta-feira no «Independente».
O apelo ao voto no candidato social-democrata não é directo, mas não deixa margem para dúvidas quando se lê na carta: «No próximo fim-de-semana, na Santa Missa, mencione a importância de votar no candidato que mais se aproxime de Cristo, que seja pela Cultura da Vida e que respeite as famílias.»
Pereira de Almeida recusa-se a mencionar tal assunto na missa do próximo domingo: «A homilia tem a ver com os textos do Evangelho, com as leituras do dia, a partir da realidade que vivemos.» Na mesma linha do prior de Santa Isabel, está D. Januário Torgal Ferreira, vigário-geral castrense e bispo auxiliar em Lisboa, que diz que «manda a lei fundamental da deontologia que nenhum padre do altar dê indicações de voto».
Este prelado «desconhecia em absoluto» esta carta, que nem foi objecto de conversa entre os bispos do Patriarcado. «Determinados movimentos têm o atrevimento, injusto e indevido, de se “atirar” ao D. José Policarpo», refere aquele bispo, que apresenta esta carta como uma crítica ao suposto apoio que o patriarca lisboeta terá anunciado a Jorge Sampaio, segundo uma inconfidência da dirigente socialista Edite Estrela.
Estas organizações, que fizeram campanha durante o referendo sobre a despenalização do aborto, sustentam o apelo aos padres de todo o país com a necessidade de escolher também as convicções dos candidatos: «Cabe-nos a nós, cristãos, exercer o nosso dever cívico de voto em consciência escolhendo o candidato presidencial que mais se aproxime da nossa Fé Cristã, que defenda a Vida, a Maternidade e a Família.» E citam João Paulo II, que lembrou que «a Igreja tem o papel de se opor publicamente às leis dos seus países quando elas são a favor do aborto ou quando querem atribuir o mesmo estatuto do Matrimónio às uniões de facto».
Para Januário Ferreira esta atitude revela «um conservadorismo atroz, por muitas razões correctas que estejam por detrás». E ataca: «Se esses movimentos tivessem a coragem de dar a cara e fugissem deste “clericalizar” da situação, quando escrevem aos senhores padres e não aos senhores bispos.»
Já durante o debate do referendo da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, o modo de actuação destes movimentos anti-aborto tinha merecido críticas de outros sectores da Igreja portuguesa.


Igreja partida
[7 de Março de 2002]

Os católicos andam de candeias às avessas. Os bispos deixaram claro que o seu voto pode ou deve ser entregue aos partidos do centro-direita [nas eleições legislativas]. Mas há padres e leigos que não aceitam as recomendações. E dizem que as opções políticas nada têm a ver com a fé. Da esquerda à direita, as cores políticas têm muitas igrejas em Portugal.
Apoiar o Bloco de Esquerda (BE) «não incomoda» Francisco Fernandes Vilar, 60 anos, padre em Castelo Mendo e mandatário do movimento na Guarda. A sua «experiência» também não «incomodou» os seus colegas. E «os paroquianos admiram a abertura», disse ao PortugalDiário.
Isabel Allegro diz que o seu apoio ao BE, «a título pessoal», «não tem qualquer contradição com a fé cristã». A mandatária do Bloco em Lisboa é membro do Graal (movimento internacional cristão de mulheres, trazido para Portugal por Maria de Lourdes Pintasilgo e Teresa Santa Clara Gomes). Disse que lhe parece «haver uma grande sintonia de muitas das propostas do BE com a mensagem evangélica, sobretudo na ideia da responsabilidade de todos por um “destino universal dos bens” e por uma justiça social efectiva».
A Associação Cristã de Empresários e Gestores (Acege) deixa algumas «questões fundamentais para o próximo governo de Portugal», que deve respeitar cinco «princípios». «Não há direcção de voto», refere Bruno Bobone, porta-voz da associação. O voto deve ser para «os partidos que cumpram estes valores». Leiam-se as entrelinhas.
A Acege propõe «evitar efeitos perversos contra o fomento do Trabalho e contra o estímulo para a inovação e melhoramento das empresas». Bobone recusa que se esteja a falar apenas do rendimento mínimo garantido (RMG), uma das medidas emblemáticas de Ferro Rodrigues: «Não se trata de discutir o RMG isoladamente, trata-se de uma tendência para patrocinar programas que estimulam a preguiça e a indolência.»
Empresários e gestores como Artur Santos Silva, Ludgero Marques, Magalhães Crespo, Jorge Jardim Gonçalves, Nogueira de Brito, José Roquete, Teixeira Duarte ou Ricardo Salgado, querem defender «intransigentemente os direitos humanos fundamentais, a Vida Humana desde a concepção até à morte natural». Falamos de aborto? «Claramente, matar está errado», remata Bobone.
«Sobre o próximo acto eleitoral» pronunciaram-se os bispos portugueses. Numa «Nota pastoral do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa», os prelados dirigem-se aos «fiéis católicos», para lembrar que a «criteriosa intervenção na vida pública» deve ser regida pelos «princípios inspiradores do Evangelho e da doutrina da Igreja».
Os bispos recusam «imiscuir» a sua opinião nas «justas opções partidárias», mas pretendem «contribuir para um justo discernimento dos cristãos». O ensino religioso nas escolas públicas ou temas que voltaram à tona, como o aborto, são alguns alvos das palavras episcopais: «O respeito pelo carácter sagrado da vida humana, de toda a vida humana, desde a concepção até à morte natural», lê-se.
O aborto é uma nota dissonante. «Ninguém pode ser a favor do aborto, mesmo aqueles que não são cristãos», diz Isabel Allegro, que defende o seu apoio ao BE por outras “causas”: «O aborto não é o ponto primeiro do programa.» Antes está a defesa de «uma maior igualdade de oportunidades», de «uma maior justiça fiscal e de distribuição dos bens» – e o «BE é o partido que traz isso mais claramente à superfície».
Mas o aborto está aí. E Allegro não evita confrontar o discurso oficial da Igreja: «Não é a questão do aborto em si que está em causa. Trata-se é da despenalização das mulheres que um dia, por razões que desconhecemos, fizeram aborto. O problema surge quando somos confrontados com a circunstância de milhares de mulheres em Portugal o fazerem clandestinamente e não poderem ser tratadas nos hospitais. Aí é que se põe o problema.» «É que ninguém tem o direito de julgar essa atitude íntima dessas mulheres. É um erro humano, e até cristão», sublinha.

[* - nota: ao fim-de-semana, o Lx Repórter recupera antigas reportagens, que de algum modo permanecem actuais]

2.2.07

Postal de Lisboa: maltratar a língua
























Lisboa está mergulhada numa crise autárquica que pode conduzir a eleições intercalares e o desmazelo propaga-se, como se vê no uso do português neste cartaz, colocado na Avenida Fontes Pereira de Melo, junto às Picoas.

1.2.07

Os vários mundos de Lisboa




















A cidade cosmopolita vai ser celebrada por estes dias em Lisboa, com um Festival que se propõe “dar voz e espaço” aos que “transportam consigo saberes e vivências, realidades diversificadas, que contribuem necessariamente para a interculturalidade sentida” na região da capital.

O Festival ImigrArte traz dança, teatro, música, artesanato, filmes, debates, mas também gastronomia e oficinas para crianças. A partir desta sexta-feira, dia 2, até domingo, 4, a custo zero, sete locais de Lisboa transfiguram-se noutros locais do mundo trazendo esses mundos até à cidade.

“Por um outro espaço global” é a proposta que traz este festival que vai mostrar como é um jantar indiano com contadores de histórias, mas também aulas de danças ou “lambaeróbica gym”, uma proposta com os ritmos do axé do Brasil. Fantoches, teatro – do Teatro Imigrante ou do Grupo de Teatro do Oprimido – e instalações artísticas são outras peças de um puzzle para descobrir, neste evento organizado pela associação Solidariedade Imigrante.

Para além destas actividades mais lúdicas, haverá debates (sobre a “mulher imigrante” ou “a interculturalidade”) e um ciclo de documentários. No blogue da associação, é possível ver o programa completo e os locais da realização das actividades.

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